Conheça a nova modalidade de corrupção: a rachadinha das emendas
Por Vasconcelo Quadros
RESUMO
• Suspeitas de corrupção levam a PF e a PGR a colocar em curso uma devassa inédita sobre a distribuição de dinheiro do governo federal aos municípios
• Três deputados do PL de Jair Bolsonaro já foram denunciados, mas as investigações miram um número bem maior de congressistas de outros partidos
A denúncia contra três deputados do PL, integrantes da base radical do ex-presidente Jair Bolsonaro, acendeu um sinal amarelo sobre uma nova modalidade de corrupção em curso no Congresso: investigações que correm em sigilo na Polícia Federal e na Procuradoria Geral da República apontam que boa parte dos recursos pagos pelo Tesouro Nacional às emendas parlamentares, cujo montante é superior ao que o governo maneja para investimentos no País, estaria sendo desviada num esquema envolvendo deputados e prefeitos em várias regiões.
É a chamada “rachadinha das emendas parlamentares”, prática que marcou a atuação do então deputado Jair Bolsonaro e seu clã sobre o salário de funcionários comissionados dos gabinetes, combinada na hora da contratação.
O modus operandi agora seguiria a mesma regra de partilha, ou seja, os deputados suspeitos apresentam as emendas e combinam com os prefeitos uma propina pedindo porcentagem que, pelo menos no que foi descoberto até agora, pode chegar até 25% dos valores.
Fontes ouvidas por ISTOÉ informaram que o grosso do dinheiro escorreu durante vigência do orçamento secreto, a partir de 2021, período em que Bolsonaro praticamente entregou os recursos de investimento do governo federal ao Legislativo — a regra se manteve e até foi ampliada no governo Lula 3.
As suspeitas apontam para a eclosão de um dos maiores esquemas de corrupção já descobertos no País, alavancado pelo empoderamento financeiro dos parlamentares, que manejam um orçamento superior a R$ 50 bilhões por ano e contam, cada um deles, com uma fatia estimada em cerca de R$ 50 milhões para aplicar onde e como quiserem. O maior problema aí é a precária fiscalização dos órgãos de controle.
O fio dessa meada começou a ser puxado quando a PF passou a investigar o destino de R$ 6,7 milhões enviados pelos deputados Josimar Maranhãozinho, Pastor Gil (MA) e Bosco Costa (SE) à Prefeitura de São José do Ribamar, município na região metropolitana de São Luís.
• Um dos detalhes que chamaram a atenção foi o fato de Bosco Costa ser um veterano parlamentar do Sergipe e ter apresentado emenda de R$ 4,12 milhões ao município.
• Isso era permitido pela nova configuração legal sobre a distribuição do dinheiro de emendas, engenhosamente articulada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes no Senado, como o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, e um dos recordistas em “conquista” de valores das emendas.
“Os danos (…) são irreparáveis ou de difícil reparação, pois é muito laborioso e moroso o ressarcimento ao erário de milhões ou bilhões de reais, no caso de futura apuração de responsabilidades.”
Flávio Dino, ministro do STF
Os outros dois deputados, conforme apontam as investigações, divulgadas originalmente pelo portal UOL, são José Maranhãozinho e o Pastor Gil, com emendas de R$ 1,5 milhão e R$ 1,05 milhão, respectivamente.
O total de propina pedido pelos três à Prefeitura seria de R$ 1,6 milhão, conforme depoimento de um ex-prefeito do município ouvido pela polícia. Ele contou ter sido chantageado pelos parlamentares, que teriam exigido 25% do valor que seria liberado, mas que não aceitou. Para a polícia, a tentativa de corrupção é crime. O país tem 5.570 munícipio e todos, sem discriminação, poderiam ser contemplados com emendas de bancada ou as famigeradas Pix, de difícil rastreabilidade.
Até que a lei seja mudada, é permitido receber valores originários de deputados sem domicílio eleitoral nos Estados beneficiados — uma das principais brechas para corrupção.
Denúncia da PGR
As investigações estão no início e envolvem mais 12 inquéritos enviados pela PF à PGR. A denúncia, a primeira da gestão do PGR Paulo Gonet contra congressistas, está sob a relatoria do ministro Cristiano Zanin e deve ser levada em breve para análise da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.
Presidido por Cármen Lúcia, o colegiado é composto por Zanin, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e, para desespero dos bolsonaristas e de um Congresso amedrontado pelas suspeitas, Flávio Dino, que é do Maranhão e conhece bem o jogo das emendas.
Pela experiência como político no Estado, para onde foram enviados recursos de emendas de outros parlamentares, logo que foi indicado para o STF o ministro disse que chegariam um momento em que o Judiciário teria um encontro com a “parlamentarização do orçamento”, um eufemismo para a bandalheira.
No início de agosto ele suspendeu o pagamento de emendas e determinou, com apoio dos outros dez ministros, que governo e Congresso se entendessem para mudar as leis e dar transparência ao dinheiro das emendas.
No início de setembro, o prazo foi prorrogado por mais dez dias, mas tanto o núcleo político do governo quanto os presidentes da Câmara e Senado, Lira e Rodrigo Pacheco (MDB-MG) fizeram de conta que o prazo não está correndo. Embora a lei eleitoral não permita repasses durante a campanha, a execução das emendas está suspensa e a PF mira a dinheirama distribuída a rodo nos últimos quatro anos.