“A centro-direita elegerá a maioria dos prefeitos”, diz Carlos Siqueira, presidente do PSB
Por Vasconcelo Quadros
O advogado Carlos Siqueira, presidente do PSB, avalia que direita e centro-direita conquistarão mais que o dobro de prefeituras do que a esquerda, especialmente nas capitais, onde uma das exceções deverá ser a reeleição do prefeito de Recife, João Campos. O pessebista sugere que progressistas façam balanço para entender que o crescimento do neofascismo no País se solidifica à sombra de uma democracia fragilizada. Destaca que as novas bases sociais da extrema-direita, entre elas a de neopentecostais, são populares (“o povão”), mais beneficiadas pelos programas sociais criados pela esquerda. E lamenta a “negociação ruim” feita pelo governo com o Congresso, que aumentou o valor das emendas, da faixa de R$ 16 milhões a R$ 20 milhões para a de R$ 50 milhões a R$ 52 milhões por parlamentar, consolidando o empoderamento do Centrão, com muito mais dinheiro, nessas eleiçõs, do que os demais partidos. “No presidencialismo não é normal tanto orçamento executado pelo Parlamento”, critica.
Qual é a expectativa do PSB em relação às eleições municipais?
Terão um resultado muito favorável aos partidos de centro-direita. Se somar o número de prefeitos que serão eleitos pelo Centrão, seguramente a centro-direita terá mais do que o dobro da esquerda.
A maior dificuldade da esquerda é nas capitais?
Sim, sobretudo no Sudeste, que concentra metade do eleitorado nacional. Em São Paulo é dificílimo para o nosso amigo Boulos se for para o segundo turno com o Nunes. As capitais do Sudeste eram a principal base da esquerda. Historicamente concentravam o eleitorado mais crítico, esclarecido e à esquerda.
E o Nordeste?
Nessa região o Lula ganha. Nas capitais a situação não é tão vantajosa, a começar por Salvador. Em Recife acho que haverá vitória, a mais expressiva, de João Campos, que deve alcançar 80% dos votos válidos.
O PSB deve eleger quantos prefeitos?
Temos 799 candidatos a prefeitos. Devemos eleger 30% deles.
Por que a direita cresceu?
Por uma série de fatores, entre eles o orçamento secreto, que elevou muito as bancadas desses partidos. A regra foi beneficiar os partidos da base do governo Bolsonaro. Veio o novo governo (Lula) com uma negociação não muito boa e se elevou a emenda, que era de R$ 16 milhões a R$ 20 milhões por parlamentar, para R$ 50 milhões ou R$ 52 milhões para todos, sem exceção. Isso congelou a situação de forma benéfica, em um patamar bem mais alto do que os demais.
Deputado não precisa mais passar por ministérios em busca de recursos…
Segundo me dizem alguns deles, quando vão aos ministérios, os ministros é que pedem para colocar recursos de emendas.
Uma inversão?
Isso. É uma espécie de semipresidencialismo ou semiparlamentarismo. Uma situação anômala, como o sistema político brasileiro, que beneficia a centro-direita.
Pablo Marçal é reflexo disso?
Esse fenômeno só ocorre em países onde a democracia está fragilizada e permite o aparecimento de figuras desse tipo.
Nem a de Bolsonaro?
Menos ainda, porque esse é um cara mais tosco do que o Marçal.
O que mais favoreceu a direita?
As deformações do sistema democrático, essa forma de fazer política sempre pendurada no orçamento do Estado.
Como a direita se utilizou disso?
Da forma mais fisiológica de exercer a política. Eles fazem isso com maestria. No governo Bolsonaro, avançaram sobre o orçamento. Eles aderem a qualquer governo, começando pelo presidente da Câmara (Arthur Lira).
Pode explicar melhor?
Quem define os que irão para a oposição na democracia são eleitores, e não políticos. No Brasil há uma inversão: o Lira apoiou firmemente o Bolsonaro no primeiro e segundo turnos, e indica ministros no governo. O Kassab apoiou firmemente o Bolsonaro e tem ministro no governo Lula. O União Brasil, o Republicanos… todos estão representados em todos os governos. Me parece absolutamente incrível como a imprensa normalizou essa deformação. Não se pode aceitar como normal fazer política a partir do Estado e do domínio de fatias do orçamento. É o patrimonialismo famoso, escancarado como nunca.
De quem é a culpa?
De todos. Observe o governo atual: elegeu-se crítico do orçamento secreto, acabou com ele, mas criou um sistema de emendas que suprime parte significativa da execução do orçamento. No presidencialismo, não é normal haver tanta execução de orçamento pelo Parlamento. Mas esse não é o único fator…
Quais são os outros?
Outro vem do crescimento acelerado do protestantismo neopentecostal com valores conservadores. Não tinham liderança até Bolsonaro. Ele expressava valores que estavam ali, mas sem ninguém com coragem de verbalizar. Hoje milhões de pessoas se orgulham de serem conservadores, de direita. O candidato que representa esses valores é contra aborto, casamento gay, etnias, mulheres… As pessoas que acreditam nisso ficam acima de qualquer coisa, é quase religião. É um fator significativo, que deve ser estudado pela esquerda porque essas mesmas classes são também populares. É o povão.
A esquerda teve esse entendimento?
Precisa ter porque são pessoas em situação social, econômica que as políticas de esquerda lhes favorecem muito mais do que as de direita, como o SUS, que vem do PCB.
Como o senhor avalia o papel do Lula?
É um político sagaz. Embora sem formação acadêmica, é inteligentíssimo e tem capacidade de analisar as coisas com objetividade, maior até do que a do partido dele. Montou o seguro desemprego, SUS, LOAS, mantém e amplia o Bolsa Família. Sorte da esquerda ter um líder como ele. Mas isso não significa necessariamente a consolidação da esquerda, que passa por momento de fragilidade internacionalmente com o ressurgimento de forças neofascistas.
Como estão essas forças no Brasil?
Avançaram mais do que imaginávamos em razão da fragilidade da democracia, mas não vieram do céu. Parte da população passou a ter uma visão crítica e a expressar valores conservadores. Vivemos num momento de crise da democracia pelas limitações do próprio sistema político.
O fato de Flávio Dino, que era filiado ao PSB, estar no STF o tira do jogo?
Gosto muito do Flávio Dino. Como político é destacado e preparado, com boa experiência administrativa e muita coragem. É uma das coisas que o homem público precisa para fazer mudanças mais profundas.
Como o senhor vê o papel dele na questão das emendas?
O problema central está intocado porque, a meu ver, não é o Supremo que deve decidir sobre o tema. É uma questão política, a ser resolvida entre Parlamento e Executivo. Os partidos usam demais o Supremo.
O PSB vai ter candidato à Presidência em 2026?
A princípio, acho que vamos continuar com a ideia da reeleição de Lula. É a melhor figura. Tem demonstrado capacidade e grande liderança. Todos precisamos lutar por este governo.
Como vê a situação do Bolsonaro?
Deve ser julgado com amplo direito de defesa. Cometeu crime? Deve responder. O surgimento dele devia nos interessar. Se ele surgiu, alguma coisa muito errada estava acontecendo. É uma figura tosca, inexpressiva, que esteve 28 anos no Parlamento e nunca foi uma voz importante para nada. Surgiu num momento e se transformou no presidente da República.
O que foi, na sua opinião?
As deformações ao longo das décadas na democracia brasileira. É uma deformação estrutural, que precisa ser corrigida e ninguém fala sobre isso.
Muitos imaginaram que pararia no Bolsonaro, e aí surge Marçal.
Se alguém imaginou isso se enganou. Bolsonaro e Marçal são partes de um fenômeno não individual, mas coletivo. Desgraçadamente isso continuará na próxima sucessão presidencial.
Como vê uma eventual anistia a Bolsonaro?
Direito à anistia não existe, mas o de se defender é legítimo.
O governo está sendo derrotado pelo Congresso?
As vitórias são muito maiores do que as perdas. Conseguiu um crédito de R$ 200 bilhões no primeiro ano e aprovou as reformas fiscal, econômica e tributária, o que não é pouca coisa para quem não tem maioria.
Mas o Congresso derrubou uma série de vetos.
O Parlamento tem direito. Nada de importante foi derrotado.
É o que Lula pensa?
Porque se baseia em dados reais. O governo não pode decretar o que o Congresso tem que fazer, e sim procurar dialogar com as forças políticas e aprovar projetos. Lula tem feito isso.
A saída do ministro Silvio Almeida por uma acusação de assédio sexual não demonstra que a esquerda negligenciou a área de Direitos Humanos?
É muito ruim para as políticas públicas afirmativas uma figura tão simbólica, um negro tão valorizado, acusado desse tipo de prática. Mas antes é preciso apurar com rigor.
Como vê a posição da esquerda brasileira em relação a Venezuela e Nicarágua ?
A esquerda brasileira não é enfática na defesa da democracia nesses países. No caso da Venezuela não há acordo: é uma ditadura que precisa ser enfrentada com clareza. Temos que dizer aquilo lá não é socialismo, muito menos democracia. É uma ditadura incompetente. Um regime desses precisa ser abominado e revogado. Assim como é a ditadura da Nicarágua, sobre a qual o governo se omitiu na condenação da violação no Conselho de Direitos Humanos da ONU.