Um plano Marshall 2 seria a solução para os problemas da Europa?
Italiano que liderou a recuperação da Europa há 12 anos diz que a solução para os problemas do continente estão em investimento maior do que aquele que enterrou a Segunda Guerra
Por Luiz Cesar Pimentel
Há 12 anos, o então presidente do Banco Central Europeu, o italiano Mario Draghi, proferiu discurso em que afirmava que faria “tudo o que fosse necessário” para estabilizar a economia europeia diante da grave crise enfrentada. O chamado, que ganhou título em inglês “whatever it takes”, entrou para a história, e após a recuperação econômica da zona do euro, ele recebeu o apelido de “Super Mario”. Pois agora o herói foi convocado novamente, desta vez pela presidente da Comissão Européia, a alemã Ursula von der Leynen, para apresentar uma solução para que o bloco volte a crescer financeiramente e ganhe protagonismo na batalha tecnológica global.
Sua resposta veio em um calhamaço de 400 páginas, com o título The Future of European Competitiveness (O Futuro da Competitividade Européia), e simplificando ao máximo a recomendação de Draghi – o que o continente precisa é de um novo Plano Marshall, só que ainda mais ousado do que aquele que tirou a Europa do buraco da Segunda Guerra Mundial.
“Para digitalizar e descarbonizar a economia e aumentar nossa capacidade, os investimentos terão que aumentar ao redor de 5 pontos do PIB e ir a níveis não vistos desde dos anos 60 e 70. Isso é algo sem precedentes. O investimento adicional ocorrido durante o Plano Marshall, entre 1948 e 1951, ficou entre 1% e 2% do PIB”, diz o italiano.
As recomendações incluem:
• a redução da burocracia,
• regras antitruste mais flexíveis para desenvolvimento em áreas como a tecnologia da informação,
• unificar as políticas de segurança, energia e infraestrutura,
• e reduzir a dependência em relação a países como a China, EUA e Rússia.
Ele usa o caso da guerra na Ucrânia para ilustrar a situação de saída abrupta de uma peça do tabuleiro, a maior fornecedora de energia para o continente, Rússia: “A estabilidade geopolítica está diminuindo – e nossas dependências se tornaram nossas vulnerabilidades”, escreve no relatório. E complementa com a distância que os Estados Unidos abriram dos europeus nos últimos anos. “Em termos per capita, a renda disponível cresceu quase duas vezes mais nos EUA do que na Europa desde o ano 2000.”
Avanço Tecnológico
A principal razão do distanciamento desfavorável foi o não acompanhamento do desenvolvimento de novas tecnologias. “Apenas quatro das 50 maiores techs são europeias”, diz. Embora aponte que será preciso fazer escolhas, pois “não teremos a capacidade de sermos, ao mesmo tempo, líderes em novas tecnologias, uma referência em responsabilidade climática e um player independente no palco global”.
Um dos países mais citados pelo economista, em viés que muda conforme a abordagem, é a China. O país asiático é visto e apontado tanto como concorrente quanto potencial parceiro, dependendo do tema sobre a mesa. Ele diz, por exemplo, que contar com a produção chinesa seria uma forma rápida e barata de cumprir os objetivos de descarbonização do continente europeu, mas que ao mesmo tempo os chineses constituem ameaça para as indústrias de tecnologia limpa européias. “O problema não é a nossa falta de ideias ou de ambição mas sim o fato de a inovação ser interrompida na fase seguinte: não estamos conseguindo traduzir a inovação em comercialização.”
Outro ponto importante, colocado pelo ex-primeiro ministro italiano, é a manutenção da razão de existir do Velho Continente, baseada na filosofia preconizada pelo bloco no tabuleiro geopolítico. “Os valores fundamentais da Europa são prosperidade, equidade, liberdade, paz e democracia em um ambiente sustentável. A União Européia existe para que os cidadãos possam se beneficiar desses direitos fundamentais. Se a Europa não conseguir provê-los – ou tiver que escolher entre eles – ela terá perdido a sua razão de existir. O único caminho é crescermos e sermos mais produtivos, preservando nossos valores de equidade e inclusão social. E o único caminho para a Europa ser mais produtiva é mudar radicalmente.” E finaliza com dilema duro: “Chegamos a um ponto em que, sem ação, teremos de comprometer o nosso bem-estar, o nosso ambiente ou a nossa liberdade”.