Poder de Lira definha e crescem as manobras para a sucessão na Câmara
Responsável por uma desastrada articulação para fazer de Hugo Motta seu sucessor, interpretada como punhalada nas costas pelo antigo aliado Elmar Nascimento, Arthur Lira perde poder, racha o Centrão e tem futuro incerto fora da presidência da Câmara
Por Vasconcelo Quadros
O impasse sobre as emendas parlamentares, com o fim do orçamento secreto e a obrigatoriedade de transparência e rastreabilidade dos recursos liberados pelo governo, tornaram um inferno a vida do presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele vem perdendo tração entre os grupos que lhe deram a maior votação da História em períodos democráticos na disputa pelo comando da Casa, em 2023, com 464 votos. Em menos de duas semanas seu poder como homem forte da política em Brasília foi encolhendo, até forçá-lo a tomar medidas desesperadas, que melaram uma sucessão que parecia estar sob seu controle.
O erro mais grave foi romper unilateralmente um acordo com um dos líderes do Centrão, o deputado baiano Elmar Nascimento (União Brasil) que até os carcarás que sobrevoam o eixo dos poderes sabiam que teriam seu apoio na eleição do ano que vem.
Lira age, no entanto, seguindo seu próprio instinto de sobrevivência. De olho numa eventual vaga de ministro após o fim de seu mandato na presidência da Câmara, tentou agradar o Planalto levando à apreciação do presidente Lula o nome do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) em substituição ao de Marcos Pereira (Republicanos-SP), atual vice-presidente da Casa, que havia desistido da disputa.
A manobra foi percebida rapidamente como uma punhalada nas costas por Nascimento e a bancada do União Brasil, que reagiram. O deputado Alexandre Leite (União-SP) usou uma sessão do Conselho de Ética da Câmara para manifestar o que era dito nos corredores da Casa: “O presidente Arthur Lira traiu o deputado Elmar. Ele traiu o nosso líder. Não há ninguém mais descontente com ele do que nós”. A rebelião liderada pelo partido mais numeroso do Centrão forçou Lira a adiar o anúncio de seu novo preferido. Mas já tinha perdido o apoio de Nascimento, até então seu aliado e amigo pessoal.
Manobra combinada
A escolha do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) foi uma manobra combinada com Lira, mas de iniciativa de Pereira, que até a semana passada disputava a vaga com Nascimento e Antônio Brito (MDB-BA). Ao perceber que não teria chances, Pereira abriu mão da disputa em nome de um parlamentar de seu próprio partido. Aliado também de bolsonaristas como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), Motta circula bem entre as bases governistas. Lira então o levou a Lula, que deu a benção que fraturou o Centrão.
Nascimento fechou parceria com Brito para minar o controle de Lira sobre as bancadas conservadoras e foi ao Planalto para se apresentar a Lula como candidato e mostrar que o jogo na Câmara permanece aberto. O gesto de Lira embolou a sucessão. De preferido, Nascimento virou adversário e só reforçou a decisão de competir.
“Minha pré-candidatura segue de pé. Nada mudou”, disse o parlamentar baiano, que se recusou a atender o pedido de um colega que tentou intermediar uma conversa com Lira. Nascimento cobrou um posicionamento público do presidente da Câmara. Ele lidera o principal bloco do Centrão, com 161 deputados, entre os quais estão vários do PP que eram fieis a Lira.
Brito tem apoio do secretário de Governo e Relações Institucionais da Prefeitura de São Paulo, Gilberto Kassab, e segue com a força do bloco que reúne 147 deputados de seu próprio partido, o PSD, junto com MDB, PODEMOS e Republicanos, que rachou após Pereira tirar Motta do bolso do colete com a manobra clara de colocar a Câmara sob o controle de seu próprio partido.
Especialistas apontam que Lira vive seu pior momento. “Tudo dá errado: Lira está sem poder de liberar emendas de comissão para barganhar com deputados, aliados próximos viraram adversários, o União Brasil cobra acordos firmados, alegando “ter pago” antecipadamente pela eleição de Nascimento ao ceder boas posições em comissões parlamentares no início do ano e Lula entrou com tudo na disputa”, avalia o cientista político Leonardo Barreto.
Interessa ao governo, lembra ele, tirar do jogo o parlamentar alagoano. O cenário, de acordo com o especialista, sugere que a condição de “kingmaker” de Lira está ameaçada e, por tabela, sua possibilidade de continuar a influenciar os destinos da Câmara em 2025.
Fontes governistas avaliam que uma articulação para neutralizar Lira agradaria Lula, que vê riscos numa eventual vitória do União Brasil na Câmara e no Senado num momento de conflitos ainda não resolvidos na relação entre os poderes. O presidente tem dito que não vai interferir na sucessão no Congresso, mas ninguém acredita. Sem votos nem um nome que possa disputar pela base governista, Lula tem conversado com todos os candidatos.
Também ampliou seu estilo de conciliação para tentar interferir fazendo concessões em busca de sucessores de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que possam honrar compromissos de pelo menos aplacar os extremistas que pressionam para desgastar o governo e o Supremo Tribunal Federal (STF).
A bancada do PL, fiel ao ex-presidente Jair Bolsonaro, não esconde que votará na sucessão do Senado em um candidato que se comprometa a colocar na pauta, em 2025, um pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes. O senador Alessandro Vieira (MDB-PI) colhe assinaturas para instalar uma CPI sobre o inquérito das fake news aberto em 2019, o que abriria caminho para desgastar Moraes e o Supremo, o que foi rechaçado categoricamente por Rodrigo Pacheco em um encontro com os expoentes do PL.
Os bolsonaristas apresentaram formalmente um pedido de impeachment de Moraes. O senador afirmou que, enquanto for presidente, não atenderá pleitos que possam desgastar o STF.
Dança de cadeiras
Encerradas as eleições municipais, em outubro, a sucessão no Congresso vai esquentar e será o palco de mudanças fortes na relação entre os poderes. A disputa movimenta uma dança de cadeiras na Esplanada com uma reforma ministerial que poderá levar ao primeiro escalão do governo Pacheco e Lira, articulação que só vingaria por meio de um acordo que envolva os futuros sucessores de ambos.
Em raros momentos o Executivo enfrentou um parlamento tão empoderado no controle do orçamento, no qual abocanha a maior parte dos recursos federais para investimentos, e em decisões e ameaças que agravam as tensões entre os poderes.
Os resultados das eleições na Câmara e Senado envolvem o futuro da governabilidade de Lula. A disputa pela presidência em 2026 e o destino de Jair Bolsonaro que, preso a um labirinto judicial pelos crimes que cometeu, e diante de uma inevitável prisão cuja decisão não passará de 2025, esperneia insuflando bancadas conservadoras para estressar a política em busca de uma anistia que, até que as sentenças sejam definidas, não encontra respaldo legal nem amparo político. “Ao governo não interessa alimentar outra crise nem fazer concessões ao bolsonarismo”, disse a ISTOÉ um deputado governista. Em meio ao turbilhão, uma coisa é certa: o futuro de Lira não mais a Lira pertence.