Coluna

Machado, Noel e Sérgio Ricardo

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Antonio Carlos Prado: "Mas, por que, diante da miséria que cerca os moradores de tantas cidades no Rio Grande do Sul, as Prefeituras não optaram por empresas que não estejam sob investigação?" (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

Tudo isso cansa, tudo isso exaure, escrevia Machado de Assis sobre os desmandos dos políticos no começo do Brasil republicano. Com certeza, ele vaticinava que assim também seria no espichar do tempo. O “Bruxo do Cosme Velho” acertou. Noel Rosa, crítico mordaz das mazelas brasileiras e sempre irônico, compôs: “e o povo já pergunta com maldade, onde está a honestidade, onde está a honestidade?”. Era a década de 1930 e Noel olhava o presente e o futuro. Acertou também.

O País de fato cansa e a honestidade ninguém sabe por onde perambula, em Pindorama de muitos homens públicos patrimonialistas, não importando a eles cuidar dos desgraçados da sorte – os desvalidos, em questão, são as vítimas da catástrofe das águas que aniquilou o Rio Grande do Sul. Pois bem, segundo o jornal O Globo, para operar no reparo dos danos, empresas da área de saneamento, coleta de lixo e limpeza, que estão sendo investigadas ou processadas por desvio de dinheiro público, conseguiram contratos com Prefeituras para integrarem o time da reforma, sendo que alguns desses contratos batem na casa de R$ 239 milhões a serem investidos em municípios gaúchos prejudicados.

O pensador Pierre-Joseph Proudhon escreveu Filosofia da Miséria. No Brasil cabe o livro no sentido da miséria moral. Eu defendo, sempre, o Estado de Direito, e essas empresas, que se encontram no alvo da Justiça, possuem o mais pleno direito à defesa. Não se está afirmando, aqui, que são culpadas – têm elas o legítimo direito constitucional da presunção da inocência a seu favor; têm elas o legítimo princípio constitucional do devido processo legal no trâmite de seus argumentos na Justiça. Mas, por que, diante da miséria que cerca os moradores de tantas cidades no Rio Grande do Sul, as Prefeituras não optaram por empresas que não estejam sob investigação?

O homem público é que não deveria ter ido atrás de empresas sob investigações ou processos, o homem público é que deveria zelar pela lisura em um caso no qual se viu pessoas perderem tudo, tudo, tudo, tudo – e, somente porque são recheadas da fé brasileira, do espírito guerreiro brasileiro, da incansável vocação para luta sem repouso, não ocorreu de elas perderem (e não perderão) a esperança de que as coisas vão dar certo. Um pobre ajuda outro pobre até melhorar, nos ensinou o compositor e cantor Sérgio Ricardo. Mas o pobre das chuvas se sentiria melhor ancorado no sonho de ter a vida reconstruída se as Prefeituras do Rio Grande do Sul tivessem contratado empresas sem sombras de eventuais práticas de desonestidade. Tudo isso exaure, tudo isso cansa. E que não se acuse Machado de antirrepublicano e monarquista. Ele apenas era mestre perscrutador da alma brasileira.