Editorial

A cadeirada do fim do mundo

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Carlos José Marques: "Para Pablo Marçal, foi o momento de glória, o ápice de sua estratégia para transformar a disputa eleitoral paulistana em uma contenda infame, troca de baixarias sem fim" (Crédito: Divulgação)

Por Carlos José Marques

Chegamos ao fundo do poço na política rasteira, dos interesses pedestres, dos candidatos medíocres e da falta de escrúpulos em tudo que diz respeito à atividade pública. É degradante e lamentável assistir a cenas como a de dois adversários, aspirantes a alcaide da maior cidade da América Latina, se digladiando em xingamentos e pancadaria, indo às vias de fato, como ocorreu dias atrás. De todo modo, previsível ao vislumbramos a que nível chegamos nessas últimas corridas eleitorais. De fato, quando a disputa na principal cidade do hemisfério Sul tem um apresentador de programa sensacionalista debatendo com um influencer estelionatário, o roteiro só pode passar pelo deprimente, pelo que há de menos republicano e de mais midiático. Diverte a plateia como programa de humor, mas destrói o que resta – se ainda existe – de alternativa programática para a gama de carências que acometem a população. Foi sempre assim? Não, está bem pior. Demasiadamente centrada na polarização dos extremistas, a política virou terra de ninguém e qualquer bandoleiro lança mão e se aventura na seara para locupletar-se no poder e controlar os esquemas. É o que se pode chamar de um Estado dominado, em todas as esferas. Fenômeno que vem se agravando. O loteamento escrachado de verbas pelo Centrão, a apatia governamental, a falta de líderes em defesa do interesse público, o jogo baixo dos lobbies que não cessam são sintomas de uma mesma comorbidade. O TSE discute agora ações contra a escalada da violência nas campanhas. Em vão. Arbitrar a paz em meio a essa gente lacradora e barraqueira é quase impossível. Fala mais alto a natureza de cada um. Para o criminoso condenado, acusado de vínculos com as milícias, coach de enganações de velhinhos aposentados, Pablo Marçal, foi o momento de glória, o ápice de sua estratégia para transformar a disputa eleitoral paulistana em uma contenda infame, troca de baixarias sem fim. As eleições municipais em São Paulo estão na lama. Na urna eletrônica, o plantel de alternativas de nomes, em boa parte, constitui uma aberração sem precedentes. Alvo da “cadeirada” que consagrou o fim do mundo eleitoral, Marçal calculou milimetricamente as provocações sistemáticas para deixar irado o adversário e arrancar os momentos de glória que tanto ansiava. Mais que isso, com o telecatch banal pretende reduzir a rejeição que carregava, posando de vítima. Repete assim, passo a passo, os movimentos que o ex-presidente Jair Bolsonaro trilhou logo após a facada para conquistar o posto máximo do Planalto anos atrás. A fórmula funciona? O novo teste está no ar. Ele mesmo, Marçal, assumiu que a “cadeirada” sofrida ao vivo em debate na tevê deverá ter o mesmo efeito, imagina, que o da facada no capitão Messias. No caso de ser bem-sucedido no que almejou, decerto arrancará uma vitória com odor putrefato. Para compor o espetáculo que dirigiu dias atrás, ele se deixou fotografar como paciente no hospital, medicado em meio a uma tomografia que registrava fraturas laterais. O episódio, não há dúvida, funcionou como um turn over na corrida pelo voto, que passa pelo momento mais crucial, a menos de um mês do escrutínio. Especialistas apontaram que a “cadeirada” era antipolítica, antissistema, antidemocrática. Seria mais que isso. Ao carregar como característica uma marca de ações detestáveis, ela reforça a decepção e a descrença de todos aqueles que são obrigados a fazer uma opção. Escolher entre o péssimo e o ruim? Faz diferença? As próximas pesquisas devem demonstrar o efeito prático dessa tática que vai virando terrivelmente corriqueira. Como franco aventureiro, Marçal pode consagrar São Paulo como o novo território da extrema direita, atuando com armas de calibre bem além das de seu precursor Bolsonaro e talvez pontificando na condição da criatura maior que o criador. Hoje, os dois se apresentam como desafetos. Mas não passa de pura encenação. São farinhas do mesmo saco, que se admiram um ao outro reciprocamente. A poucos dias do primeiro turno não há mesmo como esperar coisa melhor. As cartas estão postas, as articulações desenhadas, os conchavos firmados. É esperar pelo resultado de mais uma eleição deturpada pelo grotesco. A eleição da “cadeirada”.