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“Sem conversa e acordo sobre as emendas, para tudo”, diz presidente da Comissão Mista do Orçamento

Crédito: Laycer Tomaz

Deputado Julio Arcoverde (PP-PI), presidente da CMO: “O governo quer tirar o poder dos parlamentares. Está jogando contra o Congresso” (Crédito: Laycer Tomaz)

Por Vasconcelo Quadros

Se depender do presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO), deputado Julio Arcoverde (PP-PI), o governo continuará contando com menos dinheiro do que o Congresso através de emendas. Ele afirma que a suspensão do pagamento de emendas determinada pelo ministro do STF Flávio Dino pegou parlamentares de surpresa, gerou forte clima de instabilidade e pode agravar a crise entres os Poderes. “O Parlamento ficou assustado”, disse, explicando que há consenso entre parlamentares, inclusive governistas, de não abrir mão das emendas individuais e de bancadas. Dos R$ 229 bilhões previstos como gastos discricionários em 2025 sobrarão para investimento, descontadas vinculações obrigatórias, R$ 95 bilhões. Os congressistas abocanharão a maior parte desse bolo: R$ 50 bilhões. “O presidente sabe que o Congresso não vai retroceder. Foi conquista”, afirma. “Sem conversa, sem acordo, para tudo.” Ele admite que o avanço sobre o Orçamento empoderou o Parlamento. Essa conquista, opina, está em jogo no embate gerado por Dino ao suspender a liberação dos recursos até a definição de alternativa que dê transparência ao uso dos recursos e rastreamento da emenda.

O relator do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), senador Confúcio Moura (MDB-RO), acha que é preciso reformar o Orçamento para garantir governabilidade ao presidente. Significa reduzir o valor de emendas. Concorda?
Não, mas o colegiado da CMO é quem decidirá. Até agora não chegou ao Congresso nenhuma proposta do governo detalhando o acordo.

Como a CMO vai atender as exigências do STF ?
As comissões formadas na Câmara e no Executivo vão definir a liberação dos valores das emendas com transparência e rastreabilidade.

O que será feito?
Vamos cumprir critérios. Acho que a decisão do Supremo foi tomada com uma força muito grande. Transparência e rastreabilidade já tinham na execução das emendas, mas o STF exigiu mais. Essa comissão vai avaliar melhor os novos critérios.

(Marina Uezima)

“O presidente sabe que o Congresso não vai retroceder em relação a direito adquirido sobre emendas parlamentares”

O presidente Lula reagiu com indignação, argumentando que mais da metade do dinheiro do Orçamento para investimentos é gerido pelo Congresso…
O presidente sabe que o Congresso não vai retroceder em relação ao direito adquirido. Foi uma conquista e não vejo tendência de retroagir.

O governo quer reduzir o montante gerido pelo Congresso. Insistir pode agravar a crise entre os Poderes?
Claro. A insatisfação é muito grande com o governo no relacionamento com a Câmara e com o Senado. Por isso estamos fazendo reuniões para tentar aparar as arestas.

O que o senhor tem ouvido de deputados e senadores?
O clima é de muita insegurança jurídica, sobretudo em relação às decisões do Supremo sugerindo que seja feita uma normativa. Há grande insegurança inclusive nas bases do governo na Câmara. Não vemos segurança em nada que possa acontecer até que sejam estabelecidos novos entendimentos. Até agora não chegou nada à CMO em relação aos novos critérios.

A CMO está avaliando como ficará o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2025?
O relator da LDO, senador Confúcio Moura, fez sugestões ao projeto, mas ainda não leu no plenário, porque, a partir desse momento, teria de abrir prazo para emendas. Como não existe segurança jurídica em relação a como vai ficar o Orçamento de 2025, a gente resolveu que não será lido. Só daremos andamento após as decisões da Câmara e do Executivo.

O que achou das decisões do ministro Flávio Dino?
Ele questionou coisas que, a meu ver, estavam claras, como o cadastramento das emendas (autoria e destino). Como decidiu está bem, porque aqui a gente nunca teve problemas com transparência e rastreabilidade em relação às emendas especiais. Ele questiona mais emendas de comissão, que passam pela LDO, sobre as quais não vejo também problema nenhum em tornar mais claras e transparentes, adequadas ao que ele pediu.

O senhor tem uma proposta de emenda que atenda exigências de STF e governo?
Com uma forma de aumentar as emendas impositivas (individuais) e diminuir as de comissão.

Poderia ficar só nas impositivas?
Não. O ideal seria no que interessa ao governo e à Câmara.

A grande reclamação é sobre emendas PIX, sobre as quais o STF diz não haver transparência. Elas podem acabar ou ser substituídas?
Não, não entendi que o acordo possa resultar no fim das emendas. Apenas que manteriam as emendas especiais e nelas teriam que ser indicados objeto e cronograma da obra. Eliminar é possibilidade zero e acho que não foi nem discutido. As decisões do ministro Dino só se referem à transparência e à rastreabilidade.

Estudos mostram que não se sabe para onde o autor da emenda destina o dinheiro das PIX. Como resolver isso?
A gente coloca a destinação. Quando o prefeito faz o cadastramento, diz se a obra vai para mobilidade urbana, custeio, compra de medicamentos ou outras áreas. É indicado lá o que ele está fazendo. Agora, o parlamentar terá de indicar. É fácil. É só conversar com o prefeito e perguntar qual é a obra, dentro de um programa social. É coisa muito tranquila.

O que pode mudar na destinação das emendas PIX, que muitas vezes vão para estados em que o autor não tem sequer domicílio eleitoral?
Entendo que elas devem ser destinadas somente aos estados dos parlamentares. Não pode um parlamentar do Piauí destinar emenda especial para São Paulo. Dá para corrigir. Tem proposta de emenda minha nesse sentido.

É possível, como quer o presidente, mudar a configuração do Orçamento para o ano que vem?
Tenho conversado com os dois relatores da LDO e LOA (Lei Orçamentária Anual). Eles são enfáticos quando dizem que não vão aceitar que o Congresso abra mão de nenhum direito adquirido em relação a essas emendas.

Mas podem negociar, por exemplo, redução de valores?
Não tem negociação, mas a decisão ficará com os relatores.

É posição unânime do Congresso? Inclui parlamentares da base e de partidos que compõem o governo?
Todos os parlamentares estão juntos no pensamento de não deixar diminuir o que é de direito. Essa força que o Orçamento dá aos parlamentares deixa a Câmara mais independente em relação às votações do governo. As emendas fortalecem o Parlamento, que está alerta.

Os parlamentares podem mandar para onde quiserem…
Não existe toma lá dá cá. Nas conversas com os relatores não vejo nenhuma possibilidade de diminuir essas prerrogativas.

O impasse gerado pelas posições antagônicas não pode gerar uma crise permanente?
Tem uma crise que chegou ao ápice, mas o momento mais crítico passou. Agora o que tentamos é um acordo.

O senhor acha que há tabelinha entre Dino e o governo?
Não sei, mas (a suspensão dos pagamentos das emendas) foi uma ação que causou espécie no Parlamento. Todo mundo foi pego de surpresa e ficou atônico. Foi de uma hora para outra e passou por cima de PECs. Isso deixou o Congresso assustado.

Qual é o reflexo da judicialização de matérias que deveriam ser resolvidas entre Congresso e governo?
Não vejo como boa estratégia. Recorrer ao Judiciário não é a melhor forma de relação do Executivo com o Parlamento.

O que pode acontecer?
Enquanto a gente não conseguir um denominador comum, vai parar qualquer tipo de votação. A gente tenta desenhar um acordo, mas até agora não houve avanço.

Matérias de interesse do governo estão paradas. Isso continuará?
Não vejo outra forma de atuação. Matérias de interesse do País em andamento não vão parar.

Como é a conversa com o governo?
Não tem interlocução.

O senhor considera que há interferência indevida do Judiciário no Congresso?
Não quero dizer que é devida ou indevida. Agora, que essa decisão causou espécie ao Parlamento e gerou confusão, isso de fato aconteceu. Tanto é que paralisou o Congresso há mais de 15 dias. Essa semana mesmo nós agiríamos com um esforço concentrado, mas o Lira baixou um ato permitindo que a gente possa fazer votações pelo portal digital, o Infoleg.

O que espera do governo?
Sem conversa e sem acordo, para tudo.

(Mateus Bonomi)

“Todo mundo foi pego de surpresa e ficou atônito com as decisões de Dino. Passou por cima de PECs. O Parlamento ficou assustado”

Mesmo que o País pare?
Não é o Brasil que vai parar. O que param são algumas ações do governo, inclusive a reforma tributária, que foi muito prejudicada. Acho também que eles não pensaram no País.

Como o senhor está vendo a posição ou a participação do Senado nessa questão?
O presidente (do Senado) Rodrigo Pacheco está muito firme e junto com o presidente Lira. Todas as reclamações ao Judiciário foram assinadas pelos partidos e pelos dois.

O presidente Lula sinaliza mudança na relação com o Congresso. Como o senhor entende esse movimento?
O governo quer tirar o poder dos parlamentares. É isso aí. Ele está jogando contra o Congresso.

O governo tem base frágil no Congresso. Esse confronto pode sugerir uma reação como o impeachment?
Disso aí, por enquanto, não existe nada.

Mas poderá evoluir numa reação mais contundente?
É necessário aperfeiçoar o relacionamento do governo com o Congresso. Novos articuladores do governo com o Parlamento. Só isso resolveria grande parte dos problemas.

Como o senhor avalia a articulação do governo?
Péssima. O que está acontecendo mostra que o governo não tem articulação com o Parlamento. O Lira sempre foi um parceiro do presidente Lula. Ajudou em todas as reformas que ele pediu, como Arcabouço Fiscal, Tributária, Dpvat e por aí vai.

O próximo passo precisa ser do governo?
Sim. Não está tendo reciprocidade com o Congresso. Falta, mais uma vez, articulação do governo, que é muito fraca.

Haverá entendimento?
Uma comissão foi criada para equacionar e resolver. Deve estar bem próximo de estabelecer uma solução para atender o que foi pedido na reunião do Judiciário com o Executivo e o Legislativo. Até lá continuará tudo parado.

Como avaliou as decisões do ministro Flávio Dino?
Ele pediu esclarecimento. Vamos responder tudo depois que as comissões encontrarem um caminho de entendimento — e aí tocar a vida.