Brasil

Programa Mais Médicos renasce

Governo federal celebra o recorde de inscritos em edital para preencher novas vagas pelo País. Entidades da classe contestam a formação de parte dos aprovados

Crédito: Arison Jardim/Secom

Programa oferece incentivos para médicos trabalharem em lugares isolados, aldeias indígenas e periferias das grandes cidades; o edital mais recente atraiu cerca de 33 mil interessados para 3,1 mil vagas (Crédito: Arison Jardim/Secom)

Por Marcelo Moreira

Uma das bandeiras do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a retomada do Programa Mais Médicos foi consolidada com adesão considerada muito satisfatória. O edital atraiu cerca de 33 mil profissionais interessados nas 3,1 mil vagas oferecidas — uma relação de quase 11 candidatos por vaga. Criado em 2013 e progressivamente desidratado a partir de 2017, no governo Michel Temer (MDB), o investimento no programa que incentiva prossionais a atuarem em áreas com déficit de profissionais era uma reivindicação de entidades civis da área progressista e dos partidos de esquerda.

O Ministério da Saúde celebrou o recorde de inscrições e avalia que o incremento no programa poderá praticamente resolver o problema de déficit de médicos em muitos lugares, principalmente em municípios da Região Norte. Do total geral de inscrições para o programa, 18,7 mil são mulheres — cerca de 57%.

O motivo nobre da iniciativa – sanar as lacunas de atendimento pelo Brasil – sofreu forte oposição das entidades da classe médica e de partidos conservadores quando de sua criação, principalmente pela abertura da entrada de profissionais estrangeiros, notadamente cubanos e bolivianos, atraídos pelo salário e pela possibilidade de atuar em áreas remotas, rejeitadas por médicos brasileiros formados nas grandes cidades. A questão foi ideologizada e politizada, transformando- se em alvo do então governo da presidente Dilma Rousseff (PT).

(Evaristo Sa)

Contestação

Arthur Chioro, médico sanitarista que foi ministro da Saúde, resumiu bem a questão quando foi secretário de Saúde de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), na gestão de Luiz Marinho, atual ministro do Trabalho: “Há uma defasagem de atendimento. A área médica vive uma situação de pleno emprego há muito tempo, então são raros os profissionais que aceitam trabalhar em cidades longínquas ou comunidades na periferia. Em alguns editais chegamos a oferecer salários acima de R$ 12 mil mensais, e o número de interessados ficou abaixo das vagas oferecidas. O Mais Médicos veio para corrigir essa distorção.”

Médicos de todo o Brasil fizeram vários protestos contra o que consideraram um “afrouxamento” das regras de avaliação da qualidade dos contratados, principalmente dos estrangeiros. As críticas permanecem até hoje, e são contundentes.

Angelo Vattimo, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) investe contra a falta de rigor na observação do conhecimento de muitos dos bolsistas. “A lei é clara: para exercer a medicina é preciso estar inscrito em conselhos regionais e, no caso de estrangeiros, fazer as provas do Revalida, que atesta a validade do diploma. O programa flexibilizou as regras, o que repudiamos.”

Em 2024, o Cremesp realizou fiscalizações em cidades da Grande São Paulo e constatou situações que considera ruins para o atendimento público. Em uma das cidades, identificou que 40% da força de trabalho é composta por bolsistas do Programa Mais Médicos (PMM), sendo que 85% dessa mão de obra não possui CRM, ou seja, sem formação de qualidade comprovada.

Em alguns casos, 30% da força de trabalho não apresenta as qualificações necessárias ao atendimento, segundo um documento da entidade. “Prefeituras alegam que não conseguem preencher as vagas porque há pleno emprego. O que constatamos é que a maioria não aceita participar de editais por conta de casos em que os salários simplesmente não foram pagos”, explica Vattimo.

O Ministério da Saúde contesta essas críticas e exalta a importância social do programa. Felipe Proença, secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, celebra a boa aceitação do programa, que evoluiu em relação a sua implantação, em 2014. O último edital, em julho, ofereceu 3,1 mil vagas, com uma relação de disputa que teve 11 candidatos para cada vaga. “Acredito que o processo de entendimento da natureza do Mais Médicos modificou a percepção das necessidades de saúde pelo País. Com o foco em prevenção e na medicina da família, estabeleceu novos padrões de atendimento.”

A aceitação do programa e suas diretrizes são consideradas o motivo principal para a expansão, sendo que 95% das adesões na atualidade – quase 25 mil profissionais são brasileiros: como Ingrid Froehnerm, que atuou por mais de um ano no interior do Paraná e que se dedica a dar dicas a interessados em ingressar no esquema por meio de vídeos didáticos em seu canal no YouTube.

Da mesma forma procede Nathalia Lucena, pernambucana que migrou para o interior do Rio Grande do Sul dentro de outro modelo de programa, o Médicos pelo Brasil, que é semelhante ao Mais Médicos e privilegia o atendimento da família e a prevenção de doenças. Em vídeo, ela ressalta as boas oportunidades profissionais que surgem para quem adere a esses projetos.

O médico alagoano Adelson Silvestre Júnior atua no Mato Grosso há 19 meses, atendendo comunidades indígenas da área do Xingu, que concentra povos de diversas etnias. Chegou para atuar em outro regime trabalhista e teve de aderir ao Mais Médicos para permanecer onde está. Considera o programa um importante instrumento de expansão da saúde pelo Brasil, embora aponte algumas limitações que impõe aos bolsistas. “O caráter temporário em relação à permanência é um fator que impede o estabelecimento de vínculo com as comunidades. No caso dos indígenas, isso é fundamental para que haja confiança e segurança de ambos os lados.”

Silvestre sugere também um incremento nos incentivos para os bolsistas no sentido de incentivar a fixação dos profissionais em áreas mais isoladas e necessitadas, o que ajudaria a diminuir o esquema transitório e a mitigar a alta rotatividade de profissionais. “Pela natureza das regiões onde trabalhamos, temos dificuldades logísticas. Passamos horas nos deslocando de carro e barco. Eu mesmo já atendi crianças no meio do rio. As especificidades de nossa atividade precisam ser valorizadas para que mais gente seja atraída a regiões remotas.”