Economia

Você pode estar consumindo vinho e azeite do mercado clandestino; confira

Apreensões de azeite e vinhos fraudados em 2024 já superam o total do ano passado. Aumento do preço e impacto do clima deixam produtos na mira dos bandidos

Crédito: Polícia Federal

Principal tipo de fraude em azeites é a adição de óleos vegetais (Crédito: Polícia Federal)

Por Mirela Luiz

Nos últimos anos, o panorama do setor de alimentos no Brasil tem sido profundamente afetado pelo crescimento do mercado clandestino de produtos alimentícios. Entre os itens mais afetados estão o vinho e o azeite, cujos preços inflacionados têm levado criminosos a aproveitar-se do momento. Para se ter uma ideia, nos últimos três anos, até dezembro de 2023, foram apreendidos mais de 531 mil litros de bebidas provenientes apenas de descaminho em ações realizadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) nas fronteiras, isso sem contar as mais de cem operações realizadas pelas polícias estaduais em todo território nacional ao longo do último ano, visando combater garrafas falsificadas e contrabandeadas.

Vindos principalmente da Argentina, os vinhos já estão espalhados por todo o Brasil em lojas, restaurantes e nas casas dos consumidores, que se sentem atraídos por preços baixos que chegam a 50% ou menos do valor tradicionalmente cobrado.

Receita Federal: vinhos apreendidos em fábrica clandestina (Crédito:Divulgação)

Esses produtos entram no País de forma criminosa. Não são transportados de maneira adequada e, no caso dos falsificados, que são parte dos vinhos introduzidos pelo sistema do contrabando e descaminho, podem conter diversas substâncias tóxicas.

Carlos Sanabria, enólogo e produtor de vinhos em Bento Gonçalves, destaca que o consumidor deveria se preocupar com isso: “Muitos desconhecem as características de qualidade e acabam optando por produtos de procedência duvidosa, alimentando o mercado clandestino”.

“As principais fontes de azeites fraudados são Marrocos, Portugal e Espanha, além das fábricas clandestinas debeladas em território nacional.”
Rodolpho Ramazzini, diretor da ABCF

Os vinhos, em especial, têm se tornado alvo dos falsificadores. Muitas vezes, adicionam-se substâncias como água e corantes a vinhos de qualidade inferior para mascarar suas origens.

O advogado Rodolpho Heck Ramazzini, diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), complementa: “Ao optar por preços baixos, ele pode estar colocando sua saúde e a de sua família em risco, uma vez que muitos desses produtos clandestinos contêm substâncias nocivas.”

Azeites importados: 20% têm algum problema em sua composição (Crédito:Divulgação)

O Brasil se destaca como o segundo maior mercado consumidor de azeite em nível global, ocupando também a posição de segundo maior importador, apenas atrás dos EUA, segundo dados do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva). O consumo anual de azeite no País gira em torno de 100 milhões de litros, com um volume impressionante de 99% desse total provenientes somente de importações.


Brasil é o segundo maior mercado consumidor de azeite do mundo

Dados do MAPA indicam que, no primeiro semestre de 2024, mais de 97,6 mil litros de azeite fraudado foram apreendidos, representando um aumento de 17,7% em relação ao total apreendido no ano anterior.

A principal fraude detectada pelo órgão envolve a adição de óleos vegetais distintos do azeite de oliva, como óleo de soja, além do uso de corantes para manipular a coloração do produto.

A ABCF estima que hoje, cerca de 20% dos azeites disponíveis no mercado brasileiro têm algum problema em relação à produção — adição de outros óleos vegetais mais baratos — ou são fraudados em fundo de quintal. “As principais fontes de azeites fraudados são Marrocos, Portugal e Espanha além das fábricas clandestinas debeladas em território nacional”, revela Ramazzini.

Risco elevado

Tais substâncias não apenas comprometem a integridade dos produtos, mas também colocam em xeque a saúde dos consumidores. “As consequências podem ser letais, especialmente para aqueles que são alérgicos a certos ingredientes não declarados nos rótulos”, alerta Sanabria.

Os impactos econômicos para os produtores legítimos são igualmente preocupantes. De acordo com a ABCF, o mercado clandestino não apenas oferece produtos a preços inferiores devido à evasão fiscal, mas também prejudica a reputação de marcas que trabalham arduamente para manter seus padrões de qualidade e conformidade regulatória. Isso resulta em uma desvantagem competitiva significativa. “Os produtores que operam dentro da legalidade se veem obrigados a competir com preços artificiais, o que pode levar à inviabilidade econômica, especialmente para pequenos agricultores”, ressalta Ramazzini.

Além disso, os desafios para desmantelar esse comércio ilegal não somente de azeites mas também de vinhos são significativos.
O vasto território brasileiro e suas longas fronteiras facilitam a entrada de produtos ilegais.
Com a competição direta de vinhos clandestinos, que costumam ter preços muito abaixo do mercado, os produtores e comerciantes legais enfrentam uma situação de deslealdade.

“A transação online também é outro problema. Facilita o transporte pelas fronteiras, uma vez que a fiscalização tradicional é mais difícil de ser aplicada no ambiente virtual”, alerta Luciano Rebellatto, presidente do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS).