Detox do digital: como o jovem está buscando se reconectar consigo mesmo
Em busca de mais foco e contra a urgência da tecnologia, jovens procuram refúgio em equipamentos do passado, populares quando eles ainda nem tinham nascido
Por Maria Ligia Pagenotto
O que leva jovens como Louis Martins, de 26 anos, a ter fixação por máquinas de escrever? E por que o advogado Yosef Morenghi, de 23 anos, fez um curso de fotografias analógicas? O amor às tecnologias vintages une ainda Maria Luiza Losan, de 18 anos, com suas máquinas fotográficas. Já o médico Jan Sukorski, de 35, e a farmacêutica Thaisa Santos, de 38, são ambos compradores de vinis que ouvem em suas vitrolas. Com algumas variações, as respostas recaem sobre um apego maior ao presente. A estética e o estilo também têm peso, assim como a influência familiar.
Louis começou a ter contato com máquinas de escrever na infância, com o pai jornalista. Mas só em 2020 ele teve seu próprio equipamento, presente da namorada. O que era apenas questão de gosto virou também sobrevivência — hoje Louis conserta e vende máquinas. Escrever nelas ou em cadernos, outro hábito à moda antiga, é algo que considera relaxante. “A máquina não tem aquela luz forte do computador. Datilografar me deixa intelectualmente descansado. Na máquina eu me desconecto de tudo e foco somente na minha criatividade”. Para se organizar, Louis usa cadernos. “Minha agenda e contabilidade estão no papel. Não sinto a menor falta de uma planilha Excel”.
Yosef e Maria Luiza são jovens, mas preferem as fotos analógicas às digitais. Por estar em São Paulo, Yosef tem mais oportunidades para vivenciar esse prazer do que Luiza, moradora de Osório (RS). “Gosto de ver as fotografias em papel, como minha mãe fazia”, diz a jovem, que guarda com carinho as imagens impressas da infância. No entanto, o preço do filme e as dificuldades para revelação em sua cidade a fizeram migrar para as câmeras digitais. “Imprimo as imagens e colo em diários que eu crio, como forma de eternizar um momento especial”. Luiza curte ainda a estética das máquinas — possui 16 câmeras digitais customizadas com adesivos. “Quando fotografo me sinto mais perto do momento. É diferente do celular, que tem múltiplas funções”, afirma. Yosef também chegou ao analógico pela mãe.
No ano passado, fez um curso com Edison Angeloni, no Sesc. “Meu interesse pela técnica cresceu”, diz. Hoje ele presta mais atenção no que irá clicar. “O filme tem 36 poses, não dá para desperdiçar”. Nas aulas, ele se sente imerso em outra época, sem a pressa e dispersão do universo digital.
“Ter a imagem no papel é dominar algo que não é tão imediatista”, diz Angeloni. O laboratório exige um grande controle de ansiedade. É a mesma opinião da laboratorista e professora Rosângela Andrade. “A foto digital tem uma perfeição tão grande que chega a incomodar”, afirma. Os jovens que procuram seu curso buscam um processo mais contemplativo. “Sinto que para eles o digital já está superado”.
Angeloni completa: “O laboratório tem um pé na bruxaria. Isso encanta”. Yosef compara o processo com o de cozinhar, onde os ingredientes são colocados com lentidão, até chegar “ao ponto”.
Foco nos detalhes
Os compradores de vinil, por sua vez, relatam sentir enorme prazer em tirar o disco da capa, vê-lo girar na vitrola e manusear os encartes. “Domingo é um dia que me dedico a isso”, revela Thaisa. Ela compra vinil desde os 16 anos, gosto que adquiriu com um tio. “É uma reconexão com a calmaria, o passado, e um momento de focar nos detalhes”. Sukorski, filho de músicos, sempre ouviu muito vinil. “O que mais curto é a qualidade do som. Acho legal ficar pensando como era na época em que os álbuns foram lançados. E gosto também porque você para e ouve o disco inteiro”.
Ele e Thaisa, porém, reclamam do preço dos vinis. “Hoje há discos por R$ 400. Antes eu comprava até por R$ 3”, diz Thaisa. O mercado só cresce, segundo a Pró-Música, entidade que reúne gravadoras: estima-se que o faturamento do setor em 2024 seja de RS$ 15 milhões, contra R$ 11 milhões em 2023.
O retorno ao analógico pode ser visto, segundo a psicóloga Paula Peron, professora da PUC-SP, como uma resistência ao consumo da tecnologia que rapidamente se torna obsoleta. “O mundo digital intoxica”, afirma. O professor de psicologia Miguel Perosa, da PUC-SP, acredita que a tendência se fundamenta “na necessidade que alguns jovens têm em abandonar a identidade virtual, tão marcante atualmente”. O jovem precisa estar presente para ele mesmo, senão fica muito à mercê dos outros, explica. Curioso é que, para isso, muitas vezes recorra ao passado.