Cachaça ganha destaque na coquetelaria autoral
Por Ana Mosquera
“Constata-se que a banalização da cachaça foi o segredo-motor de sua sobrevivência”, afirmou Câmara Cascudo no capítulo Saideira, que encerra seu Prelúdio da Cachaça, de 1968. Apesar da permanência do destilado desde o período colonial, sua valorização como produto brasileiro é recente. Deve ter sido o fato de ter “ficado com o povo”, como o historiador e sociólogo cita, que fez com que a aguardente de cana demorasse a ter o merecido valor. A alta coquetelaria autoral e atual vem trazendo-a, aos poucos, para o centro das cartas de coquetéis que superam a caipirinha.
“A ideia é mostrar que a cachaça pode ser tão sofisticada quanto um whisky, e que ela se adapta a todo tipo de drinque, do clássico ao inovador”, diz Priscila Oliveira Kimura, chefe de bar do Dentro, na capital paulista, que mantém a carta focada no destilado de pequenos produtores.
Para a mixologista, pesquisadora de brasilidades e sócia do Espaço Zebra, em São Paulo, Néli Pereira, é fundamental explorá-lo para além das cartas “temáticas”. “Ela pode ser usada com ingredientes nativos, mas não só. Prova disso é que ela combina com vermute rosso, no Rabo de Galo, e com Fernet, no Macunaíma.”
Entre produtores, especialistas e outros atores do mercado, a educação é unânime para comprovar que o líquido nacional não é um só. “Há aquelas com aroma mais vegetal, defumado, floral, mineral, há diferenças entre as madeiras e regiões. E isso se encaixa na valorização da nossa cultura alimentar”, diz Néli.
“Nossa bebida traduz muito bem a relação do brasileiro com o que o País oferece: a diversidade”, complementa a especialista Isadora Bello Fornari.
Na cozinha, ela tem lugar em sobremesas tropicais, como no creme de banana com maracujá e coco do paulistano Jiquitaia – que tem como sócia a especialista Nina Bastos –, mas também ganha espaço em releituras: é o caso do tiramisù do Massa+Ella, no Rio de Janeiro.
O Dia da Cachaça é comemorado em 13 de setembro desde 2009, e de lá para cá há mais pessoas abrindo portas para ela, inclusive novos escritores, como Joana Monteleone e Maurício Ayer. “Abrideira, a inicial, primeiro copo, primeira dança, primeiro prato. O inverso de Saideira”, começou Cascudo no mesmo livro.