Comportamento

Apocalipse agora: Brasil queima entre focos de calor e cenário é dramático

Brasil acumula maiores desastres ambientais da história em menor espaço de tempo, com destruição florestal, ar mais poluído do planeta, nível de umidade desértica e cidadão é o mais prejudicado no cenário de devastação completa

Crédito:  Michael Dantas/AFP

Moradores de Humaitá (AM) carregam água no leito seco do rio Madeira, um dos maiores do mundo (Crédito: Michael Dantas/AFP)

Por Luiz Cesar Pimentel

Os dados e números são espantosos: na semana que marca o auge da mais extensa e longa seca nos registros históricos brasileiros, 200 cidades registraram umidade relativa do ar menor ou igual à do deserto do Saara, São Paulo encabeçou o ranking de metrópole mais poluída do mundo e 60% do território nacional ficou embaixo de camada de fumaça e fuligem. Só que os resultados não deveriam assustar a ninguém, já que 2024 se converteu no ano dos extremos climáticos em que a intensidade e diminuição de espaçamento entre esses só rivalizam com a crescente periculosidade.

É o ano marcado, também, pela enchente histórica no Sul brasileiro — inundação que teve aviso em 2023, quando encurtou o espaço de tragédias causadas por chuvas em décadas na história gaúcha. Já quanto à seca, o pódio começou em 1998, ocupando 42% do território nacional, demorou 17 anos para ser superada, com a crise de 2016, em 54% do Brasil, e, agora, oito anos, com o cenário apocalíptico instalado. Se antes as consequências financeiras eram as de maior gravidade, o atual cenário tem danos bem piores para o brasileiro, que assiste sufocado ao País queimar, literalmente, entre os focos de calor.

As 10 metrópoles com o ar mais poluído do mundo

São Paulo, Brasil
Lahore, Paquistão
Jakarta, Indonésia
Dubai, Emirados Árabes Unidos
Kinshasa, República Democrática do Congo
Doha, Catar
Jerusalém, Israel
Pequim, China
Lima, Peru
Santiago, Chile

Massa de poluição cobre São Paulo na semana em que cidade teve o ar mais sujo do planeta (Crédito:Fábio Vieira / FotoRua )

Em São Paulo, que renovou seguidamente durante a semana o título de pior ar metropolitano do mundo, a Secretaria Municipal da Saúde registrou 76 mortes e 1.523 notificações de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) entre agosto e a primeira semana de setembro.

Importante contextualizar que a poluição atmosférica é o maior risco ambiental à saúde e responde por estimadas 7 milhões de mortes prematuras no mundo todo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em grandes cidades, a sujeira de fumaça e fuligem das queimadas florestais é amplificada pela emissão poluente de indústrias e automóveis. Na capital paulista, respirar se tornou o equivalente a fumar quatro a cinco cigarros por dia.

“Segundo o World Weather Attribution, as secas deste ano se tornaram 40% mais severas por causa das mudanças climáticas. O desmatamento agrava a seca. Na Amazônia, a evapotranspiração das árvores é responsável por cerca de 40% das chuvas”, diz o geólogo Marco Moraes, pesquisador de mudanças climáticas e autor do livro Planeta Hostil.

Com exceção do Rio Grande do Sul, todos os estados da federação passam pelo maior período seco desde que os registros começaram, em 1950.

Em 10 estados mais o Distrito Federal não chove há mais de 100 dias e das 200 cidades no nível do Saara, nove ficaram abaixo de 10% de umidade, o que as aproxima do deserto mais hostil do planeta nesse índice, o do Atacama, no Chile, com taxa média de 5%.

A OMS estipula que a faixa ideal de umidade para o ser humano está entre 40% e 70%, e determina que abaixo de 30% torna-se importante a emissão de sinal de alerta, já que os prejuízos à saúde ficam evidentes.

(Mateus Bonomi)

“Não podemos normalizar o absurdo. 60% do território nacional está sentindo os efeitos das queimadas. Isto é inaceitável.”
Flávio Dino, ministro do STF

• Em cenário de perspectiva de prazo maior, há estudo recente que pegou o recorte de 15 anos no Brasil, entre 2000 e 2015, onde constatou que pelo menos 47 mil pessoas são hospitalizadas em média todos os anos em consequência da má qualidade do ar produzida pelos incêndios florestais.
• A situação atual é mais dramática já que a média de queimadas nesses anos foi de 150 mil, número que foi superado no corrente 2024 ainda em agosto, sendo que na comparação com o mesmo período no ano passado eles dobraram — 159.411 focos de calor frente a 79.315 em 2023.

Os dois biomas mais atingidos são a Amazônia (50% das queimadas) e o Cerrado (32%), o que significa em extensão de área que 3,2 milhões de hectares da Floresta Amazônica e 1,9 milhão do Pantanal, ou 12,5% de seus territórios, incineraram em 2024.

“Nós sabíamos que o período seco deste ano seria pior do que o de 2023, principalmente para a Amazônia. Havia a previsão e ela se concretizou de uma forma mais abrangente e mas perigosa. Se tivéssemos um ano úmido, provavelmente o fogo ficaria nas áreas de origem e não escaparia causando tanto incêndios”, afirma a diretora de Ciência no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar.

82% das queimadas ocorrem em áreas da Amazônia ou do Cerrado.
Em 2024, 12,5% dos territórios dos dois biomas foram incendiados

Extensão da destruição

O dano não se restringe à área devastada, já que a fuligem e a fumaça da face Oeste brasileira desce por corredor que passa por Bolívia e Paraguai, na direção do Oceano Atlântico, e o ar frio do Polo Sul o empurra de volta para as regiões Sudeste e Sul, em fenômeno conhecido como “rios voadores”.

No meio da sujeira encontram-se partículas finíssimas conhecidas como PM2.5, que entram nos pulmões, passam pelos alvéolos e caem na circulação sanguínea, com forte potencial desencadeador de episódios de crises respiratórias e alérgicas, além de piora de funcionamento pulmonar. “Todo processo inflamatório, quando não é bem controlado pelo organismo, gera uma cicatriz. E cicatriz é uma área que não funciona corretamente. Dependendo do grau de exposição, pode gerar processo inflamatório crônico, que resulta na perda de função das vias aéreas — enfisema pulmonar, fibrose pulmonar crônica, por exemplo”, diz Gustavo Guimarães, médico pneumologista.

Funcionário do Ibama combate fogo em Roraima. Dino ordenou deslocamento de efetivo para ajudar (Crédito:Ibama)

Por tudo isso não causa estranheza a divulgação de monitoramento da IQAir, empresa suíça, que apontou Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e São Paulo (SP), nessa ordem, como as três cidades com maiores níveis de poluição no mundo no domingo, dia 8, tendo Campinas superado e jogado a capital paulista para o quarto lugar no dia seguinte.

No mês que antecedeu a estatística, o ar paulistano foi considerado bom em apenas quatro dias. “Usar as queimadas para limpar a lavoura antes do plantio ou para renovar a pastagem faz parte da cultura dos agricultores e pecuaristas. Mas é pouco eficiente. As queimadas também são utilizadas de forma criminosa por fazendeiros e grileiros como parte do desmatamento ilegal”, diz o geólogo Marco Moraes. “Temos uma impunidade muito grande para o crime de grilagem de terras e isso ajuda a riscar o fósforo das queimadas. Quando são multados, não pagam as multas, quando chega o processo ou prescreve ou a pessoa se livra da pena com uma cesta básica ou serviço comunitário”, completa Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

“Nós devemos ter ainda um tempo seco que vai perdurar aí durante todo o mês de setembro.”
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima

A situação é triste na principal nascente das queimadas.
O rio Madeira, um dos principais afluentes do rio Amazonas, atingiu seu menor nível histórico, três metros abaixo dos 3,80 metros regulares.
Com a baixa vazão da corrente de água que atravessa três países, Brasil, Bolívia e Peru, duas das maiores hidrelétricas brasileiras operam em um quinto ou menos da capacidade: Jirau, 20%, e Santo Antônio, 14%.
O prejuízo vai para o bolso do cidadão, pois a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou aumento da tarifa para setembro com o acionamento da bandeira vermelha para consumidores, dado que a geração elétrica brasileira tem uma matriz predominantemente hídrica.
Para o meio-ambiente, o complemento da geração de energia exige o acionamento de usinas movidas por derivados de petróleo, que geram mais poluição em círculo tóxico.

Mesmo que tenha revertido parte do desmonte ambiental promovido pela gestão Bolsonaro, o governo tem um adversário ecossistêmico de peso, conhecido como bancada ruralista, que barrou a criação de autoridade climática para centralizar políticas da área e reduziu orçamento para prevenção de incêndios florestais. O ministro Flávio Dino, do STF, dividiu a responsabilidade entre os Três Poderes, com a justificativa de que vivemos uma “pandemia de incêndios”.

“Estamos tratando de danos a vidas humanas, à fauna e à flora, muitas vezes irreparáveis, danos à saúde e econômicos ao país”, justificou ao exigir o envio de bombeiros militares para integrar a Força Nacional e auxiliar no combate a queimadas. A esperança é que não seja tarde demais. “As mudanças climáticas vieram para ficar e temos que nos preparar para elas. O Brasil, que já perdeu 30% da sua superfície de águas naturais desde 1985, vai ficar cada vez mais seco, com estiagens mais severas e prolongadas. Há muitos outros processos de degradação em andamento. A destruição de ecossistemas marinhos e terrestres, a crise hídrica, a perda de solos férteis, poluição química e plástica estão tornando o planeta não apenas muito mais hostil à vida humana, mas também ameaçam nossa própria sobrevivência”, pressagia Marco Moraes.

Como minimizar os Efeitos

Higiene nasal
Manter as vias aéreas limpas com lavagem nasal duas vezes ao dia. Isso ajuda a remover vírus, bactérias e poluentes.

Umidificação do ambiente
Usar umidificadores para manter o nível em torno de 60%. Evitar o uso excessivo, pois umidade elevada também pode ser prejudicial.

Hidratação
Beber pelo menos dois litros de água diariamente para manter as mucosas respiratórias bem hidratadas.

Evitar ambientes poluídos
Reduzir o tempo em locais com fumaça, poeira ou onde se fuma. Se possível, permaneça em ambientes ventilados.

Vacinação em dia
Manter as vacinas atualizadas, incluindo as contra gripe, pneumonia e demais doenças virais. A vacinação pode prevenir infecções respiratórias.

Higiene
Lavar as mãos com frequência para evitar a propagação de vírus e bactérias. Evitar contato próximo com pessoas resfriadas e usar máscaras de grande filtragem, como N95, quando possível.