Brasil

Comunidade científica protesta contra falta de projeto do governo para a área

Cortes no orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia reacendem os protestos de cientistas contra a desvalorização da área. Eles querem uma política de estado que trate o conhecimento como investimento, e não gasto

Crédito: Divulgação

Inovar e pesquisar são fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico, pregam os cientistas (Crédito: Divulgação)

Por Marcelo Moreira e Vasconcelo Quadros

A conversa é repetitiva e raramente atrai muita atenção, mas os queixosos são persistentes: a ciência e a tecnologia pedem socorro no Brasil. De novo, e com mais urgência diante das demandas mundiais por inovação, independência tecnológica e preocupação com mudanças climáticas. E a comunidade científica volta a protestar contra os cortes na área determinados pelo governo federal no Orçamento da União para 2025. O Ministério da Ciência e Tecnologia terá uma redução de 11,75%, situação que poderá inviabilizar o funcionamento de várias autarquias e institutos, ainda que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) tenha tido um incremento.

Mais do que números orçamentários, os cientistas clamam por uma valorização da área como algo estratégico para o País, fundamental para o crescimento e desenvolvimento. Como sempre, a questão é bem mais profunda, pois envolve a implantação de uma verdadeira política de estado para o Brasil depender menos de países desenvolvidos e avançar na tecnologia de ponta de forma a responder aos inúmeros desafios econômicos e sociais da atualidade.

O País está queimando com os incêndios nas florestas e torrando por conta das altas temperaturas, com respostas insuficientes para enfrentar mais uma questão climática, fruto de mudanças planetárias.

Renato Janine Ribeiro, da SBPC, é um do mais ativos intelectuais em prol da valorização da ciência; a ministra Luciana Santos costuma ressaltar a importância do setor na vida nacional (Crédito:Evaristo Sa)
(Luara Baggi)

“No fundo, o que precisamos é de uma política de estado que reconheça a importância socioeconômica da ciência e da tecnologia para melhorar tudo no País”, costuma dizer Helena Nader, presidente da Associação Brasileira de Ciência (ABC). “Há uma questão premente, que é o corte orçamentário do ministério, mas não é o único problema. É preciso que Executivo, Legislativo e Judiciário se convençam da necessidade de investir em ciência para que tenhamos um futuro na área do conhecimento.”

Para muitos cientistas, a questão central é essa: convencer o mundo político de que dinheiro em ciência, tecnologia, inovação, educação e conhecimento não é gasto, e sim investimento. Helena Nader usa Estados Unidos e China como exemplos de países que avançaram demais na questão científica e tratam investimentos na área com prioridade absoluta. “A China copiava produtos ocidentais com certa precariedade e hoje é líder em vários segmentos industriais. Os americanos, mesmo no governo de Donald Trump, muitas vezes chamado de negacionista, investiu em vacinas e tecnologia de ponta, já que a ciência é considerada lá como fundamental para a defesa nacional.”

Alguns cientistas e professores ouvidos por ISTOÉ revelam que a interlocução com a ministra Luciana Santos e outros executivos do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação é boa e cordial, mas que a coisa emperra quando envolve o Congresso Nacional e a chamada Junta de Controle Orçamentário, que discute os ajustes no Orçamento em tempos de contingenciamento.

No rosário pertinente de queixas, surge a invariável e repetitiva constatação de que o Brasil continua perdendo seus melhores cérebros por conta de “condições absolutamente inviáveis de pesquisa” no Brasil, fazendo com que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) reduza a quantidade de bolsas oferecidas. “Um pesquisador de ponta, no auge, até consegue receber uma bolsa de cerca de R$ 10 mil – insuficiente diga-se –, mas acaba frustrado porque não encontra boas condições de trabalho no Brasil e e enfrenta constantes cortes e falta de verbas. A saída é mesmo o aeroporto”, conta, resignado, um importante professor universitário paulista.

Números
R$ 10,3 bilhões estão previstos para o FNDCT em 2025
11,75% foi a redução do orçamento da área de ciência e tecnologia para 2025
R$ 1,95 bilhão é o orçamento apresentado pelo CNPq para 2025

Fuga de cérebros

Os alertas são constantes diante da omissão estatal em um tema crucial para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Helena Nader e o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), não cansam de mostrar a precariedade do setor em relação às verbas para funcionamento e criticam a falta de debate sobre o assunto. Em atuações mais políticas do que científicas, são incansáveis, em palestras e entrevistas, sobre o perigo de defasagem intelectual e tecnológica que o país corre ao retardar a implantar uma política que invista na produção de conhecimento.

Assim como a “exportação” de jogadores de futebol brasileiros bons com cada vez menos idade, a saída de cientistas para atuar no desenvolvimento de outros países não escandaliza mais. Tornou-se algo natural. Um engenheiro químico especializado em energia nuclear, que pediu para não ter o nome divulgado, é um dos “geniozinhos” expatriados pela falta de condições de pesquisa no Brasil. Tentou ficar no Brasil e se candidatou a uma bolsa do CNPq, mas uma oportunidade melhor surgiu na Alemanha. “Quando eu estava embarcando para Frankfurt, recebi um convite ainda melhor para trabalhar no Canadá. Assim como os indianos, os brasileiros são valorizados. A diferença é que os indianos são estimulados a voltar ao seu país e aplicar lá seus conhecimentos. Isso ainda não acontece no Brasil.”

Ele sonha em voltar ao Brasil e trabalhar na área de meio ambiente. “Nosso conhecimento acumulado é imenso e valioso. Encontro com brasileiros na Europa que são profissionais dos mais importantes em suas áreas e eles têm as mesmas ambições. Não sei quando isso vai acontecer, pois a área científica segue desvalorizada governo seguido de governo. Falta una visão estratégica e permita oferecer um futuro ao nosso país. Conhecimento é investimento, não gasto.”

Segundo alguns interlocutores, várias entidades científicas estão elaborando um documento onde, de forma cordial e respeitosa, mas com contundência, explicam a grave situação da área de ciência e tecnologia em relação à falta de verbas e, principalmente, com os cortes previstos para o ano que vem, O documento, ainda em fase de esboço, deverá ser encaminhado, quando e se aprovado, para a ministra Luciana Santos.

Em conferências realizadas neste ano, a ministra Luciana Santos demonstrou estar ciente da importância de criar, finalmente, uma política de estado para a ciência, tecnologia e inovação como forma de “contrabalançar os vários cortes orçamentários que a área sofreu nos governos anteriores”. Sobre os cortes para 2025, ela ainda não se manifestou, assim como o ministério, que não enviou um posicionamento até o fechamento da reportagem.

Luciana enfatizou, na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, a necessidade de o Brasil se aproximar de um projeto de inclusão que o coloque entre as nações mais dinâmicas da economia mundial, “visando uma mão de obra qualificada e a inserção em setores de alto valor agregado”. “Nós não temos o direito de ficar para trás. Somos líderes em diversas áreas, como na indústria aérea e na matriz energética, mas precisamos expandir nossa liderança em outras economias dinâmicas”, declarou a ministra.