Ingredientes nativos dão sabor e valor à gastronomia brasileira
Produtos nativos ganham força substituindo iguarias internacionais. Iniciativa não descaracteriza pratos clássicos nem ignora os sabores nacionais
Por Ana Mosquera
Em paralelo à valorização da cultura alimentar brasileira, produtores, chefs e pesquisadores caminham na direção de privilegiar o uso de ingredientes nativos em detrimento de produtos estrangeiros. É o caso do puxuri similar à noz moscada, das ovas de ouriço ou de tainha em lugar do caviar, dos queijos de DNA nacional que se assemelham ao parmesão e ao gouda. À medida que aumentam as pesquisas sobre o potencial do Brasil à mesa, os preparos ganham em sabor, produtores locais são valorizados e preconceitos sobre preciosismos culinários se rompem.
Ainda que as revelações de Alberto Grandi no recém-lançado As Mentiras da Nonna venham incomodando seguidores da culinária italiana, foi naquele país, na década de 1980, que o ativista alimentar Carlo Petrini criou o Slow Food, movimento que ganhou alcance mundial com a máxima do “alimento bom, limpo e justo”.
Limpo por rejeitar o uso de agrotóxicos, mas também porque incentiva a redução do impacto ambiental e o consumo dos produtos do entorno. “Não faria sentido eu fazer, no Brasil, uma comida italiana só com ingredientes que vêm de quilômetros de distância”, diz Bia Limoni Freitas, chef e sócia do Pasta Shihoma, em São Paulo. Seu carbonara – também rodeado de polêmicas sobre sua real origem –, é feito com queijo pecorino romano, como manda a tradição, mas também com o autoral Tulha, da Fazenda Atalaia, em Amparo, no interior paulista.
Outra escolha da chef é juntar pimenta de macaco, natural da Amazônia, ao mix de pimentas que finaliza o prato. “É possível trazer elementos diferentes sem descaracterizar os pratos. O cliente tem que reconhecer o carbonara ao terminar de comê-lo”, diz ela, citando os elementos essenciais à massa com molho de ovos: “Não podem faltar a gordura do guanciale ou da pancetta, a picância e o umami do queijo, a pungência da pimenta”.
Assim como o pecorino romano, o tomate pelado e a farinha utilizada por ela vêm da Itália, provando que o movimento não tem a intenção de negar os produtos estrangeiros. “Para mim, o processamento do ingrediente é o que faz a gastronomia. Se pode ser transportado pelo mundo, ele começa a fazer parte de outras culinárias”, diz Roberto Rebaudengo, chef do Lido.
Ele dá como exemplo o peixe seco do Norte europeu que conquistou Portugal e o mundo, o bacalhau. Da mesma forma que entende a globalização da gastronomia, Rebaudengo considera natural o uso de ingredientes locais na culinária italiana feito no Brasil.
Na sua cozinha, os dois países dividem os louros. Amêndoas e avelãs são trocadas por castanhas de caju e do Pará na torta caprese, o jiló substitui a berinjela na caponata e o queijo da Ilha do Marajó rouba a cena dos italianos na pizzata de jantares especiais: “As culinárias dependem do que você consegue no lugar em que está”.
Comunicar é preciso
A comunicação é a alma do negócio da valorização de uns elementos em detrimento de outros. Chefs como Bel Coelho e Alex Atala, mixologistas como Néli Pereira e pesquisadoras como Anna e Lu Guasti não apenas se dedicam a privilegiar as versões brasileiras, mas em espalhar conteúdo sobre elas.
A confeiteira Joyce Galvão é uma grande entusiasta dos ingredientes locais, mas tem receios ao falar de troca estrita. “Se pensarmos em substituição, deixamos de lado a particularidade e o poder de cada ingrediente. Chamar o cumaru de baunilha brasileira é diminuir seu valor único e exclusivo”. O valor de que ela fala supera o sabor dos ingredientes: “Eles podem fortalecer uma comunidade e uma região com seu cultivo, colheita e extrativismo”.