Quando Renfield caiu em si
Por Laira Vieira
Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe (2023), dirigido por Chris McKay (Uma Aventura LEGO, A Guerra do Amanhã) não é apenas um filme que mescla terror sanguinolento, comédia e ação de uma forma, inesperadamente, magistral. É um profundo e divertido – para quem gosta de humor ácido – estudo das relações humanas, mergulhando nos sombrios vínculos tóxicos.
Renfield (Nicholas Hoult) é o dedicado lacaio do icônico Conde Drácula (Nicolas Cage); ele é mais do que um simples servo do Conde, ele simboliza uma figura aprisionada em um ciclo de manipulação psicológica e dependência emocional. A jornada do protagonista para libertar-se das garras sombrias de seu mestre inicia quando ele busca ajuda em um grupo para pessoas em relacionamentos tóxicos – lá, ele não só encontra vítimas para o seu chefe, mas encontra a si mesmo, obtendo consciência de suas próprias cicatrizes emocionais, e percebendo a perversidade do vínculo que o aprisiona, desencadeando um profundo conflito moral.
Esse conflito atinge seu ápice com o inusitado encontro entre Renfield e uma policial determinada e incorruptível – Rebecca Quincy (interpretada pela hilária Awkwafina) –, sendo o catalisador para que ele aja de forma proativa para se libertar da má influência do vampiro sanguinário. Assim, ele encontra não apenas uma aliada inusitada, mas também uma musa que o instiga a confrontar Drácula e a poderosa organização criminosa Lobo, que controla a cidade de Nova Orleans.
A influência de Nietzsche ressoa na narrativa: “Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”. Os personagens não apenas encaram os abismos de suas próprias almas, mas também expõem as intrincadas teias de controle que permeiam suas vidas, nos levando a uma jornada pelas profundezas da psique, onde as fronteiras entre o grotesco e o mundano se dissolvem — e onde podemos confrontar nossos próprios demônios internos e a complexidade das hierarquias dos relacionamentos que moldam nossas vidas.
A obra entrelaça os elementos narrativos com habilidade, e nos leva a explorar as complexidades da natureza humana e as armadilhas dos relacionamentos com desequilíbrio de poder entre as partes. Por intermédio das figuras de Renfield e Drácula, lembramos dos perigos de ceder nossa autonomia a líderes carismáticos e autoritários sejam religiosos, políticos ou de qualquer outra natureza. Uma reflexão atemporal necessária.
Mesmo que esse não seja seu gênero favorito de filme, confira essa criativa alegoria, e tenha em mente que um dos piores aspectos de estar em um relacionamento tóxico é não saber – ou não querer admitir – que você está em um relacionamento tóxico. Ninguém está imune ao charme de uma pessoa manipuladora.