Brasil

Coronéis golpistas sentarão em dois bancos de réus; entenda

Sem o corporativismo do passado, Justiça Militar dá os primeiros passos para julgar e condenar membros dos altos escalões das Forças Armadas que tramaram o fracassado golpe de 2022. Inquérito do Comando do Exército também levará os investigados ao STF

Crédito: Marcos Correa

O escalão militar de Bolsonaro, com Heleno e Mauro Cid: eles vão a julgamento no STF e STMs (Crédito: Marcos Correa)

Por Vasconcelo Quadros

Entre o final de dezembro de 1973 e início de 1974, forças especiais do Exército chegaram ao Sul do Pará com a missão de exterminar o grupo guerrilheiro do PC do B. Foi a maior matança dos anos de chumbo, executada por ordem superior sob a coordenação de coronéis dos serviços de informação e operações que, protegidos por uma Justiça Militar omissa aos crimes de guerra, garantiu a impunidade e a sobrevivência de um tipo de cultura militar que voltou a dar as caras na tentativa de ruptura institucional de 2022. As investigações em curso demonstram que a espinha dorsal dos golpistas é remanescente do mesmo coronelismo que, ao contrário do período ditatorial, não contam mais com o espírito de corpo e desta vez sentarão em dois bancos de réus: um no Supremo Tribunal Federal e o outro no Superior Tribunal Militar (STM) por crimes militares.

Na semana passada o primeiro dos coronéis, José Placídio Matias dos Santos, que pertenceu à tropa especial conhecida como Kids Pretos, foi condenado em primeira instância por injuriar em postagem no X (antigo Twitter) o comandante da Marinha, Marco Sampaio Olsen, quando este foi indicado, em dezembro de 2022. “Sai um herói patriota, entra uma prostituta do ladrão. Venha me punir, Almirante”, provocou Placídio, que no julgamento, longe do computador, tentou negar a autoria do crime. Acabou desmentido pela plataforma.

A pena de 3 meses de reclusão por injúria foi branda, mas manda um recado: quebrou-se o corporativismo militar e quem tentou usar a violência contra a democracia pode perder a patente militar, o provento e carregar no currículo a pecha de golpista.

Quebra de hierarquia

Na semana passada, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, que faz expurgo no bolsonarismo que politizou a tropa, mandou abrir Inquérito Policial Militar (IPM) para enquadrar outros quatro coronéis. Dois deles, Alexandre Castilho Bitencourt da Silva e Anderson Lima de Moura, são da ativa; outros dois, Carlo Giovani Delevati Pasini e José Otávio Machado Rezo Cardozo, da reserva.

Os quatro já são investigados também pela Polícia Federal como mentores intelectuais da rebelião que resultou, a quatro dias da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa pressão incomum ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, para que este aderisse à medida de exceção para anular a eleição e manter Bolsonaro no poder.

Foram eles, segundo as investigações, que elaboraram o manifesto que ficou conhecido como “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”, grave quebra de hierarquia e disciplina que, atrelada ao movimento encabeçado pelo coronel Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens, visava deflagrar o golpe com a prisão do ministro Alexandre de Moraes.

Dos 26 oficiais, cujas assinaturas já foram identificadas, 21 são da nata do coronelismo, 12 deles coronéis e nove tenente-coronéis. No depoimento que prestou à PF, Freire Gomes afirmou que uma das principais frases da carta, “covardia e injustiça são as qualificações mais abomináveis por soldados de verdade”, era direcionada a ele por ter se recusado a embarcar na aventura bolsonarista.

Dois dias depois da derrocada do plano, o ex-presidente fugiu para os EUA para evitar a prisão levando na bagagem a irônica acusação de “covarde” carimbada pelos mesmos oficiais que dariam respaldo ao golpe.

Freire Gomes acusou também de participar do movimento Paulo Figueiredo, neto do ex-presidente João Figueiredo, coronel na conspiração de 1964 e o último general da ditadura a governar o País. O economista que o atacou pelas redes sociais “atuando no interesse de pessoas que queriam uma ruptura institucional no Brasil”.

Encerrada a aventura, agora é a vez da Justiça: penas previstas no STF devem ser pesadas e incluirão ao menos cinco generais de alta patente:
o ex-chefe da Casa Civil e candidato a vice-presidente, Walter Braga Neto;
o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno;
o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira;
e os ex-comandantes das força terrestre e da marinha, general Estevam Teophilo e Almir Garnier.

A desbolsonarização da tropa
Ex-presidente abandonou apoiadores e fugiu para os EUA para evitar a prisão

Tomás Paiva

(Mateus Bonomi)

O general Tomás Paiva comanda o processo de despolitização do Exército e o expurgo dos grupos golpistas aliados a Bolsonaro. Mandou abrir IMPs contra quatro coronéis, mas a romaria deve incluir outras dezenas e os generais palacianos

Placídio coronel

(Divulgação)

Ex-Kid Preto, o coronel Placídio foi corajoso ao desafiar o comandante da Marinha pelas redes sociais, mas depois tentou negar que tenha sido o autor das ofensas. Mas havia registros incontestáveis enviados pela plataforma à Justiça Militar

Coronel José Castilho Bitencourt e Silva

(Zeca Ribeiro)

Coronel da ativa, foi um dos mentores da carta assinada por oficiais que pressionavam a cúpula militar a aderir ao golpismo intensificado nos últimos dias de Bolsonaro no poder

Almirante Garnier

(Divulgação)

Ele também terá de enfrentar julgamento no STM. Apontado pela PF como um dos que aderiram à tentativa de golpe, chegou a colocar as tropas da Marinha à disposição de Bolsonaro caso o decreto golpista fosse assinado

Coronel Carlos Giovani Pasini

(Divulgação)

A condição de reservista, já em 2022, não livrará Pasini de enfrentar investigações e julgamentos no STF e STM, que cuidará de crimes militares que resultaram na quebra da hierarquia e disciplina

Coronel Anderson Lima de Moura

(Divulgação)

Na ativa, o coronel pode ser empurrado para a reserva mais cedo. Eventual condenação superior a dois anos no STF pode resultar na perda da patente e do salário, risco que assombra os envolvidos