Forças Armadas vão aceitar mulheres na linha de frente; iniciativa sofre críticas
Por Marcelo Moreira
RESUMO
• Forças Armadas abrem a possibilidade para que mulheres se inscrevam voluntariamente, inclusive para postos de combate.
• A medida é uma forma de compensar o desinteresse dos homens em seguir carreira militar e as críticas ao serviço de alistamento obrigatório
• Mas há quem veja uma manobra midiática, para criar a falsa impressão de que o governo está comprometido com a causa das mulheres
A cena emocionou muita gente quando foi exibida pela TV americana. Após um longo período de combates no Iraque, em 2008, uma capitã do exército surpreendeu os dois filhos pequenos ao voltar para casa. O choro das crianças derreteu corações petrificados. A cena está no videoclipe da música ‘Home Again’, da banda de rock Queensrÿche. Bastante comum nas operações militares norte-americanas espalhadas pelo mundo, mulheres na linha de frente também poderão ser vistas, em tese, nas Forças Armadas brasileiras, algo que era proibido até este ano. De acordo com o Ministério da Defesa, serão criadas vagas para combatentes femininas a partir de 2025, desde que as candidatas preencham uma série de requisitos para ocuparem os postos.
Ao comentar a permissão, em cerimônia realizada no final de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou sobre o assunto em seu discurso. “A abertura ainda maior para o ingresso de mulheres só comprova a máxima de que o lugar da mulher é onde ela quiser. Sabemos que quanto mais diversa uma situação, mais representativa ela será”, afirmou.
Atualmente há 34 mil mulheres nas Forças Armadas, em um universo de 360 mil militares.
• O ingresso feminino teve início em 1980, por iniciativa da Marinha.
• Em 1982, foi a vez da Força Aérea.
• Já o Exército começou a aceitar mulheres em suas fileiras a partir de 1992.
• Em todos os casos, porém, esse ingresso começou em carreiras específicas, como saúde, intendência (logística) e no quadro de material bélico (manutenção de armas e viaturas).
A decisão de permitir o ingresso voluntário para postos que eventualmente envolvam missões em campo e combate surge depois que um documento do Exército ressaltou “limitações fisiológicas” para a aceitação de soldados mulheres em diversas áreas militares, no início do ano.
Pelo menos 17 países contam, alguns deles há décadas, com a presença feminina em unidades que operam na linha de frente das batalhas. E não são apenas nações de regime autoritário, como a Coreia do Norte, ou em guerra, como Israel e Ucrânia, que têm mulheres nessas posições. A lista inclui diversos países ocidentais e seus aliados, entre eles França, Alemanha, Dinamarca, Holanda, Suécia, Austrália, Índia e Canadá.
As restrições à presença maior de mulheres em áreas mais “sensíveis” das Forças Armadas suscitou uma provocação, no ano passado, da Procuradoria-Geral da República, que questionou no Supremo Tribunal Federal (STF) as regras que limitavam o acesso delas a várias funções.
“Não há fundamento razoável e constitucional apto a justificar a restrição da participação feminina em corporações militares”, afirmou em pronunciamentos e na ação a procuradora-geral interina Elizeta Ramos. A portaria que autorizou o ingresso das mulheres foi saudada como um avanço institucional importante dentro da luta por maior igualdade de gênero na sociedade brasileira, por mais que ainda seja necessário muito mais para aumentar as oportunidades nas corporações.
Na Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, é comum observar que mulheres ascendem com frequência aos postos de coronel e tenente-coronel, bem como a presença delas é visível em operações de campo na capital paulista.
Interesse feminino
Uma questão prática motivou a mudança nas Forças Armadas: a crítica dos homens ao serviço militar obrigatório, visto como estorvo por muitos candidatos selecionados. O grande desinteresse por parte dos homens na carreira militar é um dos motivos para a abertura de vagas femininas.
“Sabemos que diversas mulheres adorariam que o serviço militar fosse obrigatório a partir dos 18 anos. Agora existe uma possibilidade de que não seja obrigatório, mas facultativo, e que as mulheres possam também fazer parte desse ingresso aos 18 anos”, afirma Wildyrlaine Cristina Pretko, psicóloga da Força Aérea Brasileira e do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Nem todos e todas celebram a iniciativa. A advogada paranaense Nina Rosa de Lima, integrante da Comissão da Mulher Advogada, vê com reservas a ampliação do espaço feminino nas Forças Armadas. Em artigo publicado em diversos veículos de imprensa, ela observa que, no momento, existe apenas uma ilusão de igualdade, já que o decreto do Ministério da Defesa não prevê os mesmos direitos para as mulheres no caso de passagem para a reserva, por exemplo. “O decreto parece ser uma manobra midiática, projetada para criar a falsa impressão de que o governo federal está comprometido com a causa das mulheres, enquanto na realidade mantém e reforça disparidades entre os gêneros no âmbito militar”, escreveu ela.