Cem mil anos de risco: como a Finlândia vai enterrar lixo radioativo
Preocupada com o lixo atômico, Finlândia lança projeto pioneiro de armazenamento de resíduos nucleares em uma tumba geológica projetada para resistir por muitos séculos
Por Mirela Luiz
A Finlândia, país nórdico conhecido mundialmente por sua reputação em inovação e sustentabilidade, se prepara para ser a primeira nação a enterrar resíduos nucleares em um repositório geológico projetado para durar até cem mil anos. Essa iniciativa não apenas reforça a liderança finlandesa no setor da energia nuclear, mas também convoca o mundo a repensar suas estratégias de descarte de materiais altamente radioativos.
O Projeto Onkalo, idealizado pela empresa privada Posiva, foi concebido para garantir um armazenamento seguro e duradouro. Localizado a 450 metros abaixo da superfície da ilha de Olkiluoto, a 240 quilômetros de Helsinque, o repositório representa um marco na tecnologia da conservação de resíduos. Espera-se que o primeiro depósito de combustível nuclear altamente radioativo ocorra entre 2025 e 2026.
• Os recipientes de cobre, robustos e projetados para resistir à corrosão, serão armazenados em um intrincado labirinto de túneis.
• Essa estrutura visa isolar de forma eficaz o material radioativo, evitando que ele contamine o solo e a água ao longo das próximas gerações.
“O Onkalo é um exemplo avançado. Muitos países ainda enfrentam obstáculos para conseguir desenvolver soluções semelhantes”, observa o geógrafo Paulo Bouggiani. Apesar do avanço tecnológico, o projeto enfrenta uma série de desafios complexos. Questões políticas e sociais permeiam o debate sobre o tratamento de resíduos nucleares. A resistência das comunidades locais é uma constante, e erradicar a desconfiança e as preocupações ambientais se tornou um desafio diário.
Atualmente, de acordo com a Associação Nuclear Mundial, a energia nuclear representa cerca de 9% da eletricidade global. Mas o gerenciamento correto desses resíduos continua a ser um “tremendo problema”, segundo Bouggiani.
A falta de um sistema de armazenamento adequado já provocou crises em diversos reservatórios ao redor do mundo. O exemplo do domo de Runit, nas Ilhas Marshall, ilustra os riscos de soluções inadequadas. O repositório subterrâneo, construído a 115 metros pelos militares norte-americanos em 1977, abriga resíduos atômicos sob uma estrutura de concreto. O local enfrenta sérios problemas de fissuras e riscos adicionais devido à elevação do nível do mar, conse-quência das mudanças climáticas.
“A decisão da Finlândia de enterrar resíduos nucleares a 450 metros de profundidade é significativa porque representa um avanço importante na busca por soluções sustentáveis”, afirma Marcelo Lemes, geógrafo e professor da Faculdade Estácio.
À medida que o mundo observa o desenvolvimento do projeto Onkalo, a esperança é que os aprendizados extraídos possam abrir caminho para um futuro em que o descarte de resíduos nucleares seja realizado com responsabilidade e segurança.