Brasil

Tabelinha contra o fisiologismo

Decisões do STF limitando as emendas parlamentares são tudo o que o governo precisava para travar o “toma lá, dá cá” no jogo que o presidente da Câmara diz ser combinado: o Congresso paralisou votações de interesse do Executivo para avisar que não abre mão de influência no Orçamento

Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

As decisões de Dino forçaram Lula, Barroso e Lira a sentarem em volta da mesma mesa para discutir a distribuição de dinheiro público feita sem prestação de contas (Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil)

Por Vasconcelo Quadros

Se há algo que o presidente Lula aprendeu com as sucessivas crises que enfrentou nos dois primeiros mandatos foi escolher ministros do Supremo Tribunal Federal que o ajudassem a contornar embates institucionais com o Parlamento.
• Cristiano Zanin substituiu a ministra Rosa Weber e deu uma liminar suspendendo lei do Congresso que estendia automaticamente a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, o que acabou resultando num acordo entre governo e o Congresso.
Flávio Dino, que entrou no lugar de Ricardo Lewandowski, enfrenta, desde o início de agosto, a ganância dos parlamentares sobre as emendas e forçou uma negociação entre os Poderes, ainda em andamento, para tornar a liberação do dinheiro público mais transparente.

A tabelinha entre STF e o governo, que o presidente da Câmara, Arthur Lira, acusa de ser um jogo combinado e que sempre começa com o placar de “dois a um”, tem a finalidade de impor limites à manipulação do Orçamento cuja execução pertencia ao Executivo, mas que foi sendo engolida pelo Congresso.

A prática, que além de não seguir a destinação dos recursos adequada às prioridades do País, permite que o dinheiro da União seja aplicado sem critérios em obras paroquiais sujeitas a ações fisiológicas inteiramente executadas pelos parlamentares.

Na semana passada, logo depois da reunião que envolveu o comando do Congresso e do Executivo sob mediação do STF, Flávio Dino tomou mais uma decisão para limitar o “toma lá, dá cá”, impondo às ONGs que se adequem às regras de licitação integradas ao Transferegov.br e realizem cotações eletrônicas, enviando todos os dados sobre aplicação dos recursos ao sistema de cadastro de fornecedores, coordenado pelo Portal de Transparência do governo federal.

O ministro também determinou que os controles federais se preparem para adequar os gastos aos princípios de transparência.

Só este ano, as entidades do terceiro setor já receberam mais de R$ 500 milhões originários de emendas parlamentares, sem que o governo tenha controle da obra ou serviço contratado e menos ainda da aplicação final do dinheiro.

Os recursos destinados às ONGs saem das várias modalidades de emendas e são geridos por deputados e senadores em suas bases eleitorais, especialmente pelos repasses especiais aos municípios através das emendas PIX que, para o STF, é uma excrescência fisiológica diante de exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade.

As emendas seguem, no geral, a lógica do orçamento secreto, que havia sido proibido em 2022, e são a principal ferramenta do poder político sobre o dinheiro federal, uma moeda de troca fundamental, por exemplo, para que Arthur Lira consiga emplacar seu sucessor na disputa pelo comando da Câmara no ano que vem.

Nos bastidores, a aposta é que ele confirme o apoio ao deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA). No Senado, não há dúvidas de que o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), trabalha pela eleição do senador Davi Alcolumbre (União Brasil- AP), outro parlamentar que, como Lira, emergiu do baixo clero aumentando o poder parlamentar sobre o Orçamento.

Pressões de Lira

Com as decisões do STF, o Congresso paralisou as pautas que interessam ao governo, entre elas a regulamentação da Reforma Tributária e a definição relativa ao Orçamento para o ano que vem, sobre o qual até agora o Ministério da Fazenda anunciou cortes que devem chegar a R$ 26 bilhões, o que representa três vezes mais do que foi liberado ou empenhado apenas em emendas PIX, ou metade do volume previsto para o Congresso até o final deste ano.

• O pagamento das emendas foi interrompido desde o dia 6 de julho pela trava imposta pelas eleições municipais, mas como se tratam de recursos empenhados, a liberação se dará logo depois do pleito.

• Arthur Lira tem dito nos bastidores que a Câmara não vai abrir mão das porcentagens do Orçamento executadas pelo Congresso, estimadas atualmente em R$ 52 bilhões, mas aceita a definição do limite que vem sendo negociado com o governo.

Ele acha que no final haverá um acordo pelo qual o STF seria atendido no quesito transparência, o Congresso manteria um volume de emendas equivalente ao montante deste ano e o governo conseguiria frear o crescimento dos valores.

É um resultado vantajoso para os congressistas, que nada perderiam no que conquistaram até aqui. Mas é o contrário do que o governo se propõe a fazer, se submetendo inclusive ao desgaste de contingenciar recursos da Previdência, que deve perder no ano que vem algo em torno de R$ 17 bilhões.

O relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, senador Confúcio Moura (MDB-RO), afirma que o novo acordo deve atender a determinação do STF em relação à rastreabilidade das emendas PIX e admite que, para conciliar os interesses do governo e parlamentares, o Congresso terá que se debruçar em algum momento numa reforma orçamentária. “As emendas PIX devem ser usadas para investimentos, com nome do autor e uma conta única separada para facilitar a prestação de contas ao TCU”, disse Moura.