Brasil

Mercado recebe bem indicação do menino de ouro de Lula no BC

Como era esperado, Lula indica Gabriel Galípolo para comandar o BC. Ele terá as missões de preservar a moeda e, como bom equilibrista, achar o ponto ideal entre a pressão do governo para desabar a taxa de juros e a do mercado financeiro para até aumentá-la

Crédito: Mateus Bonomi

Galípolo (à esq.) com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no anúncio de seu nome em Brasília (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Eduardo Marini e Paula Cristina, da ISTOÉ Dinheiro

Até as emas do Planalto, quase alvos de atentado à saúde por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro, sabiam que Gabriel Galípolo, economista, escritor, professor, ex-banqueiro e atual diretor de Política Monetária do Banco Central, era favorito absoluto, pule de dez, para ser indicado como substituto de Roberto Campos Neto na presidência da instituição, com mandato de quatro anos a partir de janeiro de 2025. Após uma referência a ele feita por Lula, na rádio mineira Itatiaia, ficou claro aos setores produtivo e financeiro que restava unicamente aguardar o anúncio. “Se tem um menino de ouro, é o Galípolo. Competentíssimo, de honestidade ímpar. Tem todas as condições”, incensou o presidente, sem fazer a mais remota questão de disfarçar a admiração.

E o anúncio veio dois meses depois dos confetes, na voz do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “O presidente incumbiu-me de comunicar que ele está encaminhando ao Senado Federal o indicado para a presidência do BC, que vem a ser Gabriel Galípolo”, declarou Haddad.

“Ele tem a confiança de Lula. Isso pode ser positivo para a estabilidade e retomada estruturada da moeda e dos juros”, avalia Armínio Fraga, ex-presidente do banco.

O menino de ouro estava, enfim, confirmado para encarar a sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Pela vontade do governo, ela seria feita até antes de 17 e 18 de setembro, datas da próxima reunião do nove integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom), que define a Selic, a taxa básica de juros, hoje em 10,5%. Dessa forma estaria livre para assumir no encontro, se for o caso, posições próximas às do governo sem o risco de pressões e chantagens de oposicionistas na CAE. A maioria dos agentes acredita que a taxa possa até subir 0,25% na próxima reunião.

Galípolo vai assumir uma missão nada suave: achar pontos de equilíbrio em meio às colisões de frente ocorridas antes, durante e logo após cada uma das oito reuniões anuais do Copom para definir o próximo índice.
De um lado do ringue, Lula e o PT, ansiosos em criar ambiente favorável ao aumento do crédito, para injetar investimentos na economia, dar embalo ao PIB e turbinar crescimento, consumo e geração de emprego, pressionam Campos Neto a dar um cavalo de pau que faça a Selic desabar rapidamente.
Do outro, o atual presidente do BC, apoiado pelo setor financeiro, insiste em segurar o estilingue esticado ao manter a taxa entre as mais altas do mundo sob o argumento de que a inflação anual ameaça perigosamente subir e uma redução neste momento, ainda que não tão radical, empurraria o índice a furar o teto de 4,5% (está atualmente em 4,22%).

Luta contra a inflação

Galípolo precisará solidificar a confiança depositada por Lula e conquistar a do sistema financeiro e da Faria Lima, com o recado de que não irá esmorecer na luta contra a inflação a partir de 2025, quando a maioria dos diretores do BC terá sido escolhida por Lula — três deles serão trocados ainda neste ano.

Galípolo ocupa uma das nove cadeiras do Copom. Campos Neto, outra. Em reuniões anteriores à última, em 31 de julho, houve quedas da Selic. Na mais recente, em 31 de julho, a taxa de 10,5% foi mantida por unanimidade. Oposicionistas especularam que o aval de Galípolo à manutenção da taxa foi dado por orientação de Lula, para evitar novas desconfianças em relação a seu nome.

Recentemente, o menino de ouro sacudiu o mercado ao afirmar que os diretores do BC “não teriam constrangimento” em lidar com altas na Selic. “Posição difícil é inflação fora da meta, uma situação desconfortável. Subir juros é cotidiano para quem está no BC.” Procurou consertar no mesmo dia: “Me expressei mal e tive interpretação inadequada”.

O mercado financeiro acolheu a indicação com simpatia.
“Galípolo demonstrou competência técnica e capacidade de interlocução com diferentes segmentos econômicos. Isso será fundamental para fortalecer o BC autônomo”, destaca o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha.
“Nossa expectativa é a de que exerça uma gestão vitoriosa. Com seu temperamento sereno, exercerá papel decisivo para um BC tempestivo e responsável”, resume o presidente do Conselho de Administração do mesmo banco, Luiz Carlos Trabuco.
“A indicação dá sequência ao elevado nível técnico e mundialmente relevante que tem marcado a gestão do BC”, opina Milton Maluhy, presidente do Itaú.
“Ele possui todos os predicados para dar continuidade ao trabalho independente e inovador que tem sido desenvolvido no BC”, acredita o presidente do Santander Brasil, Mário Leão.

Carreira

O paulistano Gabriel Muricca Galípolo, 42 anos, um dos criadores do projeto econômico da campanha eleitoral de Lula, é formado em Ciências Econômicas e mestre em Economia pela PUC-SP.

Deu aula na mesma universidade entre 2006 e 2012.
Em 2009, abriu um escritório de consultoria e foi conselheiro da Fiesp.
Como presidente do Banco Fator, liderou, entre 2017 e 2021, estudos sobre privatizações de desestatizações, entre eles o da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae).

Por tudo isso, é pouco provável que guarde preocupação quanto ao alcance de seu salário na presidência do BC. O bruto será de R$ 18.887,14, o mesmo recebido na diretoria. Deduzidos o Imposto de Renda (R$ 4.048,03) e Previdência (R$ 908,86), cairão na conta R$ 13.930,25. A provável indiferença passa um recado: ele terá condições de agir com liberdade, para alegria ou tristeza de um ou outro lado. Se equilibrará em uma corda — mas ela estará bem esticada, e não bamba, como a dos frequentes circos da oposição.