Internacional

Guerra em capítulos: por que o conflito no Oriente Médio é interminável

Sem partir para um confronto geral, Israel e o Hezbollah mantêm bombardeios como cenário para um complexo jogo psicológico que ainda envolve Irã e os EUA

Crédito: Jalaa Marey

Míssil Katiúcha, do Hezbollah, interceptado pela defesa israelense (Crédito: Jalaa Marey)

Por Denise Mirás

Por trás dos ataques mútuos e pontuais entre o grupo Hezbollah e Israel está uma guerra psicológica, com objetivos que vão do cessar-fogo em Gaza, que já soma mais de 40 mil civis mortos por ordem da extrema-direita israelense, até a manutenção do conflito, que favorece pessoalmente o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, com cadeia à vista assim que tiver seu mandato encerrado. Depois da incursão terrorista do Hamas em Israel, em outubro passado, que resultou em mais de mil mortos e 250 reféns, e da carnificina em resposta, com 40 mil civis palestinos mortos, o Hezbollah entrou no conflito.

São muitas as camadas obscuras desse confronto, que se sobrepõem politicamente na região, com narrativas cuidadosamente escolhidas, de maneira a que ataques e contra-ataques até se intensifiquem, mas fiquem restritos a um trecho de 120 quilômetros da fronteira entre o sul do Líbano, onde ficam as bases do Hezbollah, e o norte de Israel. Não interessa a qualquer dos envolvidos — nem aos EUA, com Kamala Harris e Donald Trump em campanha pela eleição presidencial de 5 de novembro — que o conflito se espalhe por todo o Oriente Médio.

No domingo, 25, uma tempestade de mísseis e drones, que cruzaram o céu em sentidos opostos, serviu como aviso de que nem o Líbano irá tolerar incursões israelenses, nem Israel deixará de tentar invadir o território vizinho — e ultrapassar o que se estabeleceu como “linha vermelha”.

Do lado do Hezbollah, era a resposta tardia pela morte do comandante Fuad Shikr em 30 de julho, na véspera de outro assassinato atribuído a Israel — de Ismail Hanioyeh, líder do Hamas, que esteve em Teerã para a posse do presidente iraniano, o moderado Masoud Pezeshkian.

Por sua vez, Israel classificou seu bombardeio contra 40 locais de lançamento de mísseis do Hezbollah, por meio de 100 caças, de “ataque preventivo”.

Primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu precisa manter conflitos para não ser preso (Crédito:Toshiyuki Fukushima)

Nesse mesmo dia, Sayyid Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, apareceu em vídeo dizendo que os 320 mísseis e drones não tinham civis como alvo e sim a base de Glilot, ao norte de Tel Aviv, onde fica o Mossad, serviço de inteligência israelense. Acusou Israel de ocultar perdas e aproveitou para falar dos armamentos abrigados nos inúmeros túneis subterrâneos de onde falava.

Mais de 320 mísseis foram lançados pelo Hezbollah em direação ao norte de Tel Aviv

Jogo psicológico

“O interesse das duas partes é manter silêncio sobre o que se passa realmente, divulgando apenas o que interessa a cada lado”, diz Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB. Nos últimos dez meses, desde o atentado do Hamas dentro de Israel, tem havido troca de tiros diária na fronteira com o Líbano, com incursões de dois ou três dias dos dois lados, como lembra o professor, mas o ataque de Israel no domingo teve conseqüências políticas: derrubou as negociações no Egito pelo cessar-fogo em Gaza. “Representantes do Catar e dos EUA estavam no Cairo em busca de uma saída, mas o Hamas se retirou da reunião.”

Ataque de caças israelenses atinge Khian, cidade ao sul do Líbano (Crédito:Rabih Daher)

Para Menezes, os EUA, com democratas e republicanos, apoiam Israel incondicionalmente (US$ 5 bilhões/ano são enviados para a defesa daquele país), mas Netanyahu vem ostentando mais autonomia, com seu projeto de inviabilizar a vida palestina, com escolas, universidades, hospitais, ruas e avenidas destruídos, para instalar sua política de ocupação permanente. Ainda assim, a nenhuma parte interessa um conflito ampliado por todo o Oriente Médio, onde o Irã é peça-chave — agora com o novo presidente tentando uma reaproximação com os EUA para amenizar uma situação econômica delicada.

Andrew Traumann, historiador da PUC-Curitiba especializado em Irã, destaca que o país pode estar sendo pressionado pelos EUA para não revidar na situação armada entre Hezbollah e Israel, porque “os americanos não querem mais gastos de trilhões de dólares como foi no Afeganistão, com filhos voltando em caixões”. Mas o primeiro-ministro israelense, com processos por corrupção e proposta de reforma judiciária que transformaria o país em uma ditadura, irá para a cadeia se perder o mandato e, assim, segue com os confrontos ao menos até a eleição presidencial americana, ainda que não parta para uma guerra total “como acredito que ele e seus ministros extremistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich gostariam”.

Sayyid Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, em resposta tardia ao assassinato do comandante Fuad Shikr (no detalhe) (Crédito:AFP)