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Senado deve mudar Lei da Ficha Limpa e beneficiar políticos condenados

Crédito: Pedro Ladeira

Eduardo Cunha (centro), ex-deputado condenado: ele pode ser o grande beneficiado do projeto elaborado pela própria filha, hoje deputada (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Marcelo Moreira

RESUMO

• Redução nos prazos que deixam políticos condenados inelegíveis pode beneficiar Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e José Dirceu
• Manobra causa preocupação no mundo jurídico, que teme um retrocesso

A Lei da Ficha Limpa foi bombardeada mais uma vez e segue minguando diante de casuísmos e oportunismos eleitoreiros. O Senado deve votar em breve um projeto que altera os prazos de cumprimento da inelegibilidade de políticos condenados por crimes e irregularidades diversas, beneficiando ex-poderosos como Eduardo Cunha, ex- deputado federal, Anthony Garotinho e Sergio Cabral, ex-governadores do Rio de Janeiro, e o ex-ministro petista José Dirceu — embora, no seu caso, isso só ocorreria se houvesse uma revogação de duas decisões judiciais que o condenaram e que ainda estão em análise em tribunais superiores. Todos avaliam se candidatar a algum cargo em 2026, caso estejam habilitados.

O que está em análise é um texto proposto pela deputada federal Danielle Cunha (União Brasil-RJ), aprovado no ano passado na Câmara dos Deputados com amplo apoio parlamentar, inclusive de deputados de esquerda. Ela é filha de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que iniciou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2015. Ele foi cassado e preso por corrupção meses depois.

O tempo para que um parlamentar fique inelegível em caso de condenação continua o mesmo, oito anos, mas o que muda é a partir de quando o prazo começa a contar.
Hoje, políticos enquadrados por crimes comuns ficam inelegíveis durante o cumprimento da pena e por mais oito anos seguintes.
O projeto que agora está em análise no Senado altera isso.
A inelegibilidade passa a contar a partir da data de condenação, e não mais após o cumprimento da pena, o que anteciparia o retorno às eleições de muita gente.

Sérgio Cabral e José Dirceu: mesmo dependendo de várias decisões, eles cogitam voltar ao cenário político nas eleições de 2026 (Crédito:Divulgação )
(Suamy Beydoun)

Relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), não sofreu alterações e foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, com apoio de parlamentares governistas. Sem alterações — se houvesse alguma teria de voltar à Câmara —, pode ser votado no plenário e, se aprovado, ir direto á sanção presidencial.

Outro ponto polêmico contido no texto do projeto é o que aumenta de quatro para seis meses antes das eleições o período de desincompatibilização, ou seja, o afastamento do cargo, para candidatos que sejam “membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, das autoridades policiais, civis e militares e daqueles que tenham ocupado cargo ou função de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe”.

Repercussão Ruim

Segundo especialistas em Direito Eleitoral, a medida enfraquece as diretrizes originais da Lei da Ficha Limpa, considerada um avanço jurídico em relação à preservação da moralidade pública e das boas práticas de administração. Ainda em agosto, outra medida controversa, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Anistia, que desobriga partidos políticos e parlamentares de pagarem multas aplicadas por irregularidades eleitorais, também foi aprovada com discreto apoio do Palácio do Planalto.

O cientista político Elias Tavares vê de forma negativa o avanço de mais um ataque à Lei da Ficha Limpa. “O projeto é preocupante porque representa um retrocesso nos esforços da sociedade para garantir uma política mais ética e transparente. Acredito que essa proposta, que enfraquece as punições para políticos condenados, não faz o menor sentido. Ainda que tenha de percorrer um caminho até a aprovação e sanção presidencial, o simples fato de ser apresentado é um verdadeiro soco no estômago da sociedade.”

Entre as críticas mais contundentes estão as da Associação Brasileira de Eleitoralistas, que tem entre seus membros o advogado e jurista Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa. Em nota, a entidade considera que a iniciativa “atenta contra a soberania popular, contraria o interesse público e serve apenas para dar livre acesso à candidatura a cargos eletivos a indivíduos que deveriam estar fora do processo político”.

Reis, por sua vez, declarou nos últimos dias que o texto do projeto “vai na contramão da gigantesca mobilização social que deu origem à Lei da Ficha Limpa. É uma tentativa lamentável de afrontar essa conquista popular”, afirmou.

Ao apresentar seu relatório na CCJ, Weverton Rocha usou como um dos argumentos a necessidade de unificar os entendimentos sobre os prazos então vigentes na Lei da Ficha Limpa. “Dependendo da condenação e da interpretação, os prazos de inelegibilidade podem ser alterados. Pode ocorrer de um parlamentar cassado pela respectiva Casa Legislativa tornar-se por isso inelegível durante o prazo de oito anos ou até mesmo por 15 anos, a depender do caso”, escreveu o parlamentar.

O assunto interessa diretamente a toda classe política, mas parece ser explosivo o suficiente para que o silêncio se mantenha entre senadores e deputados federais, mesmo entre aqueles que sempre defenderam a existência e manutenção da Lei da Ficha Limpa. “É um assunto delicado, principalmente em ano de eleição municipal. Claro que há um instinto de autopreservação — quem é que sabe se lá na frente, possa ocorrer uma rejeição de contas ou outro problema qualquer?”, analisou um dirigente político com trânsito na Câmara dos Deputados.