Brasil

O veneno que pode enfraquecer o clã Bolsonaro

Marçal assusta a política, vira nome da eleição e ameaça destruir a família do ex-capitão de olho no controle da extrema direita: enrolado com a Justiça, ele disputa o pleito por um partido suspeito de ligações perigosas com o crime organizado

Crédito: Ato Press

Pablo Marçal tem sonhos mais altos, mas antes tentará destruir a família Bolsonaro para conquistar a extrema direita (Crédito: Ato Press)

Por Vasconcelo Quadros

O ex-presidente Jair Bolsonaro encontrou, enfim, um adversário à altura que, como ele, luta dando golpes abaixo da cintura. O ex-coach Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo, supera o “mito” em tudo o que encanta a extrema direita: é mais jovem, mais preparado, mente, ilude e calunia melhor. Se Bolsonaro tem ligações inquestionáveis com as milícias, Marçal vai além: seu partido, o PRTB, é suspeitíssimo de ligações com a maior organização criminosa do país, o PCC. Uma incógnita para a política nacional, Marçal é antes de tudo um bálsamo para a extrema direita, que já se dividiu, e um veneno para o clã Bolsonaro.

O cientista político Leonardo Barreto diz que a direita teoricamente mais esclarecida, encabeçada pelo núcleo criado pelo falecido filósofo Olavo de Carvalho, ex-guru de Bolsonaro, já bandeou-se integralmente para o lado de Marçal num movimento que está deixando sem chão os filhos políticos do ex-presidente, o senador Flávio, o vereador Carlos e o deputado Eduardo, todos eles em franco conflito com o novo queridinho da extrema direita. “O que fica claro é que o herdeiro do bolsonarismo já não sairá mais do clã Bolsonaro”, disse Barreto à ISTOÉ. Ele acha que Marçal é o Bolsonaro 2.0. A campanha paulistana é um ensaio para as eleições de 2026, mas até lá a direita vai, antes, se comer por dentro.

(Ato Press)

Vítimas já estão ficando pelo caminho. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) enfrenta sérias defecções do eleitorado conservador em sua campanha pela reeleição, enquanto o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), alternativa que vinha sendo costurada por Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, para enfrentar o presidente Lula já dá sinais de que não trocará a possibilidade de reeleição para arriscar seu patrimônio político.

O governador fechou a porta da articulação que previa inclusive sua migração para o PL. “Eu não pretendo e não vou disputar a eleição presidencial em 2026. O caminho mais provável é a reeleição”.

O efeito Marçal mexe nas placas tectônicas da política e, na avaliação de especialistas, jogou por terra as projeções feitas até aqui para 2026. O problema de Bolsonaro é bem maior que os dilemas de Lula, que tem o monopólio do eleitorado fiel ao PT e dos partidos de esquerda. Se já sofreu um baque com a vitória de Lula, o bolsonarismo é uma força sem consistência e dá sinais de esfarelamento e de debandada.

Provocação

Amparado no vigor de uma geração mais jovem, mobilizada pelas mídias sociais, e usando uma nova linguagem para atrair os neopentecostais, o ex-coach disparou primeiro contra Jair, a quem acusou de virar as costas para o eleitorado de direita, ao honrar um acordo com Costa Neto, que o obrigou a “dobrar a cervical” a Ricardo Nunes.

Depois, ao ver que o ex-presidente ironizou o uso do pronome “nós” ao ler postagem sobre investimentos de seu governo na infraestrutura paulista, Marçal cobrou a devolução de R$ 100 mil que havia feito à campanha do ex-presidente em 2022.

Numa afirmação direta a Bolsonaro sobre o eleitorado de direita, avisou que “liberdade não tem dono”, emendando com um “acorda, capitão!” e a provocação de que não “aceitava covardia”.

O segundo alvo de Marçal foi o vereador Carlos Bolsonaro, o 02, a quem responsabilizou por usar perfil do pai nas redes sociais para criticar a direita e sugeriu que o ex-correligionário tem problemas mentais.

“O Carlos tem problema comigo. Eu tento preservar, mas ele é um retardado mental, um estúpido. Está sempre aí para atrapalhar”. O vereador, que está sendo investigado pela PF por suspeitas de espalhar fake news, reagiu anunciando que processará Marçal por este “disseminar desinformações criminosas”.

Os irmãos Flávio (à esq.) e Carlos (à dir.) se veem ameaçados: Carlos foi chamado de retardado pelo ex-coach (Crédito:Divulgação )

Marçal é ex-presidiário

A lavagem de roupa suja envolveu também o deputado Eduardo Bolsonaro, o 03, que questionou a nova postura de Marçal e, numa comparação com o PRTB, disse que seu partido, o PL, tinha problemas como todos os demais, mas que, “graças a Deus, não tem envolvimento com drogas ou com o PCC”, uma acusação que revela o receio do bolsonarismo em ter que enfrentar Marçal.

Policial federal antes de entrar para a política, Eduardo e suas declarações têm o peso de uma acusação gravíssima contra o coach.

O candidato foi preso em 2005, suspeito de participar de uma quadrilha que desviava dinheiro de contas bancárias através de golpes digitais e, embora o crime tenha prescrito depois, ganhou liberdade ao delatar à PF outros integrantes do grupo criminoso.

Pablo Marçal já era um homem enrolado antes de entrar no PRTB.
A prisão em 2005, aos 18 anos, por desvios em contas bancárias, resultou numa condenação de 4 anos e 5 meses de reclusão por furto qualificado.
Depois, especializou-se como coach, influenciador e empresário com múltiplas atividades, entre as quais, expedições turísticas.
Em janeiro de 2022, colocou em risco 32 pessoas ao levar o grupo para o Pico dos Marins, em Piquete, na divisa entre São Paulo e Minas, ignorando os alertas de más condições climáticas da região, o que resultou num resgate emergencial pelos bombeiros e em outro inquérito policial.
O candidato do PRTB responde no total a 21 ações, oito delas na Justiça comum por calúnia e difamação e o restante por crimes eleitorais, a maioria movida pelo deputado Guilherme Boulos (PSOL) seu principal adversário.

Malafaia convoca manifestação contra o STF, mas pode complicar Bolsonaro ainda mais (Crédito:Mauro Pimentel)

Trata-se, no entanto, de um problema menor diante das tenebrosas revelações de envolvimento de dirigentes do PRTB com o PCC, depois que o presidente da legenda, Leonardo Alves Araújo, o Léo Avalanche, ter sido apontado em reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” como o principal interlocutor de uma conversa, gravada num áudio clandestino, em que diz ao filho de um dos fundadores do partido, Thiago Brunelo, que tem ligações com a facção criminosa.

Segundo a denúncia, a certa altura da conversa, supostamente para se valorizar, Avalanche diz que tem influência em Brasília e conta que foi o responsável pela libertação do traficante André do Rap, um dos líderes do PCC, que deixou a prisão pela porta da frente em 2020. Beneficiado por um habeas corpus expedido à época pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello, que acatou um pedido baseado no longo tempo de prisão sem julgamento, André do Rap, acusado pela “exportação” de grandes cargas de cocaína pelo Porto de Santos, desapareceu.

Na gravação Avalanche disse que tinha conexões com o Poder Judiciário e que fazia um “trabalho bem discreto”. Também confidenciou a Thiago que seu motorista tinha relações com o chefe do PCC na favela de Paraisópolis, Antônio Cesário da Silva, conhecido por Piauí, e atendia ligações telefônicas originadas de dentro dos presídios.

Nunes (à esq.) tem o apoio de Bolsonaro e de Tarcísio, mas o coach larga na frente (Crédito:Divulgação )

Obstrução da Justiça

É Bolsonaro, no entanto, quem vive o pior momento para um político sem imunidade e que, acuado por Marçal, tenta recuperar sua força na direita. Mas, na terça-feira, 27, o Comando do Exército enviou a ele um péssimo sinal: todos os coronéis que se envolveram na conspiração que deu na tentativa de golpe no 8 de janeiro serão investigados por um Inquérito Policial-Militar (IPM) e podem parar na cadeia.

É um recado de que o ex-presidente, em nome de quem foi planejado o golpe, também será enredado pela Justiça assim que terminarem as eleições municipais. Bolsonaro é alvo de pelo menos quatro inquéritos, o mais grave sobre a tentativa de golpe. Num sintoma de instabilidade, ele dobrou a aposta e pode se encalacrar ainda mais ao permitir que o pastor Silas Malafaia anunciasse sua participação nos atos programados para o 7 de setembro com a delirante campanha pela prisão do ministro Alexandre de Moraes. O movimento pode ser interpretado pelo STF como tentativa de obstrução da Justiça.