Economia

Produção de cacau desaba e chocolate pode ficar mais caro

Crise é global, com clima e falta de tecnologia afetando cultivo do fruto, o que elevará os preços dos chocolates e derivados nas prateleiras

Crédito: Divulgação

Brasil produz apenas o que consome, mas necessidade de importação de cacau africano é inevitável para fornecer derivados e assim o País se vê entrelaçado na crise global de suprimentos (Crédito: Divulgação )

Por Mirela Luiz

A produção de cacau enfrenta uma crise sem precedentes, impulsionada por mudanças climáticas e desafios econômicos que comprometem a oferta global do grão. O aumento das temperaturas e a falta de tecnologia nas plantações tornam as lavouras, especialmente nas principais regiões produtoras da África, mais vulneráveis a pragas. Países como Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria, que respondem por 75% da produção mundial do produto, estão enfrentando uma diminuição nos estoques para os níveis mais baixos desde a década de 1970, o que leva as indústrias a aumentar os preços do chocolate. O mesmo quadro é registrado no Brasil.

Nos últimos anos, o setor de cacau tem sido marcado por oscilações acentuadas de preços, variando de US$ 2.500 a US$ 12.000 por tonelada, um reflexo de uma demanda que supera a oferta disponível. No entanto, o consumo brasileiro permanece relativamente estável, uma vez que a indústria local opera com preços próximos ou até acima da média da bolsa de Nova York.

Apesar do potencial de crescimento do setor de chocolate no Brasil, que consome a maior parte do cacau nacional, o País enfrenta um déficit, com uma capacidade instalada em torno de 300 mil toneladas e uma produção atual de cerca de 200 mil toneladas.

Historicamente, o Brasil foi um dos principais produtores de cacau entre as décadas de 70 e 80.

No entanto, um grave problema provocado pela vassoura de bruxa, que devastou as plantações no final da década de 80, seguido pelas dificuldades econômicas da década de 90, resultou em uma drástica redução da produção, que caiu de mais de 400 mil toneladas para menos de 150 mil toneladas anuais.

Atualmente, o Brasil produz cerca de 200 mil toneladas de cacau por ano, o que representa menos de 10% da oferta global.

A crescente produção na África também fez com que o Brasil perdesse relevância como produtor e exportador.

O agrônomo e presidente do Instituto Floresta Viva, Rui Rocha, destaca que “o problema do clima está intimamente ligado à qualidade da paisagem florestal brasileira”. Ele explica que o cacau é extremamente sensível ao desmatamento e que os solos precisam ser mantidos úmidos e férteis, com uma rica biodiversidade ao redor, para evitar o surgimento de doenças e o declínio da produtividade.

Mercado do cacau deverá registrar um déficit de oferta recorde neste ano-safra, com os estoques caindo para o seu nível mais baixo (Crédito:Murillo Constantino)

Apesar dos obstáculos, o País continua a ser um polo importante na produção de cacau, embora sua produção tenha diminuído significativamente. A presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Anna Paula Losi, ressalta que o País possui uma cadeia produtiva completa, desde a produção de amêndoas até a industrialização e distribuição do chocolate. “Isso nos diferencia de muitos dos maiores produtores, que não têm uma indústria de chocolate robusta”, analisa.

(Divulgação)

US$ 12.000
valor da tonelada do cacau no mercado internacional

200 mil toneladas
é a produção anual brasileira de cacau

Desafios

A indústria brasileira enfrenta desafios, mas também oportunidades de reposicionamento em um mercado global em transformação. O plano Inova Cacau 2030, do governo brasileiro, visa elevar a produção de cacau no País para 400 mil toneladas até 2030, buscando atender à demanda interna e retomar as exportações. No entanto, para atingir essa meta, será necessário:
aprimorar as práticas de manejo agrícola,
renovar as lavouras,
e se adaptar às mudanças climáticas.

Rui Rocha enfatiza a importância de revitalizar as plantações e engajar novas gerações de trabalhadores para assegurar a sustentabilidade do setor.

O modelo produtivo africano, por sua vez, enfrenta sinais de saturação devido à questões climáticas e ao envelhecimento das lavouras, impactando a produção global. Com a escassez de cacau, a expectativa é de que os consumidores sintam os efeitos nas prateleiras dos supermercados, com aumento de preços e menor variedade de produtos. Embora o Brasil produza apenas o que consome, a necessidade de importação de cacau africano é inevitável, uma vez que a indústria moageira fornece manteiga de cacau e chocolate puro também para indústrias em todo o mundo. Nesse contexto, o País se vê entrelaçado na crise global de suprimentos.

(Ana Lee)

“A situação climática e as doenças nas plantações têm dificultado a recuperação e o aumento da produção.”
Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC

Indústrias como a Mondelez International e a Nestlé estão concentrando esforços para promover iniciativas que aumentem a produção brasileira e garantam que os produtores tenham acesso a pesquisas e boas práticas agrícolas.

A Mondelez destaca que “o Brasil possui todas as condições climáticas para retomar seu status como um dos maiores exportadores de cacau”.

Já a Nestlé anunciou investimentos de R$ 2,7 bilhões até 2026 para ampliar e modernizar suas linhas de produção. Anna Paula Losi alerta que os consumidores brasileiros poderão observar, no próximo ano, reflexos da crise, com previsões de aumento nos preços dos chocolates. Rui Rocha conclui que “apenas uma mudança no padrão industrial chocolateiro brasileiro poderá reposicionar o País no mercado global”.