Gastronomia brasileira embarca na ‘pepino mania’; confira
Dos potes dos faraós aos recipientes plásticos dos influenciadores digitais, o pepino prova sua versatilidade culinária. Nas redes sociais ou em estabelecimentos premiados, o vegetal permite novas combinações e perpetua culturas alimentares
Por Ana Mosquera
Em oposição às madeleines de Proust e às árvores de azeitona que marcaram o escritor José Saramago e a cozinheira Julia Child, o pepino sempre esteve associado a algo complicado — pelo menos no Brasil. A sete mil quilômetros de distância do País, em Ottawa, no Canadá, Logan Moffitt (@logansfewd), conhecido como “cucumber boy” (“menino pepino”), não pensa o mesmo: vê no vegetal considerado indigesto a solução. “Às vezes você precisa comer um pepino inteiro” virou sua máxima nas redes sociais, onde publica preparos com o alimento. “Ando experimentando tantas receitas que estou comendo de dois a três pepinos por dia”, disse à ISTOÉ.
À moda do escritor francês, sua memória afetiva vem da infância, quando apreciava o fruto do pepineiro “como doce”, como revelou ao The New York Times. O hábito não o traumatizou: ao contrário, vem elevando Logan como profissional da internet e o pepino como alimento nutritivo, versátil e acessível: “Ele é muito barato e saudável, tornando mais fácil aderir à tendência. Também combina com vários sabores, dando muitas opções para as pessoas aproveitarem”.
Influenciadores brasileiros, como Luiza Faria (@aquelavegana) e Mi Ruback (@mi_ruback), vêm replicando os preparos do canadense. “Ouvi dizer que há muita atenção à tendência do pepino no Brasil. Adoro saber que pude partilhar com o mundo um petisco delicioso”, diz Moffitt.
A criadora de conteúdo digital Juliana Geraldeli (@jucenha) falou à ISTOÉ sobre os benefícios da viralização: “É nítido que as trends levam as pessoas a provarem os vegetais, seja pela primeira vez ou de uma forma diferente. É como o Remy [o ratinho] expressa no filme Ratatouille: você conhece o sabor do queijo e o sabor do morango, mas ao combiná-los a experiência é outra”. Além dos esperados molhos e pimentas orientais, Moffitt junta pasta de amendoim e até um bife inteiro, em fatias, ao pepino: tudo misturado em um pote plástico alto. “Certifique-se de agitar muito bem”, anuncia ele a cada vídeo.
Lugar à Mesa
Apesar da fama explosiva nas redes sociais, o gosto pelo pepino tem raízes antigas. Ele já estava nas terras irrigadas pelo Rio Nilo, e 50 potes do vegetal chegaram a figurar na lista de alimentos de uma viagem oficial do faraó Ramsés, no Antigo Egito.
O fruto, que já era cultivado pelos fenícios e cartagineses, segundo relatos do naturalista romano Plínio, o Velho, é um legado do Oriente à cozinha ocidental, como afirmou Bernard Rosenberger, em História da Alimentação.
Seu consumo, sobretudo em conservas, atravessa as épocas. “A escassez, durante a formação da culinária na Coreia, resultou em inúmeras receitas que até hoje são preservadas e consumidas”, diz Daniel Park, descendente de coreanos e chef do Komah, na capital paulista, onde prepara uma conserva apimentada com o fruto.
Também inspirado na Ásia, o chef Lucas Dante criou uma salada de berinjela, pepino, cebola roxa, missô de grão-de-bico e vinagre de Champagne para o Cepa, na mesma cidade: “O pepino dá textura e conduz frescor ao prato”.
A crocância é definitivamente um dos melhores atributos do parente do melão e da melancia. No conto “Come, Meu Filho”, Clarice Lispector narra as indagações de um filho pequeno à sua mãe, à mesa. “Pepino não parece ‘inreal’? A gente olha e vê um pouco do outro lado, é cheio de desenho bem igual, é frio na boca, faz barulho de um pouco de vidro quando se mastiga. Você não acha que pepino parece inventado?”
OI MUCHIM
Preparo compõe a seleção de conservas do Komah, em São Paulo
• 1 ½ pepino
(rodelas de 3 gelim branco torrado)
• ½ col. shoyu
• 2 col. vinagre de arroz
1. Tempere o pepino com açúcar e sal, e reserve
2. Junte os demais ingredientes e deixe marinando por 1h antes de servir