OMS faz alerta real para risco de nova pandemia: varíola dos macacos
Com a variante mais agressiva até agora, a Mpox, conhecida como Varíola dos Macacos, volta a assustar o mundo, com 524 mortes e 14 mil casos no ano, 709 deles no Brasil, chega à Europa e vira emergência global
Por Maria Ligia Pagenotto
Quando recebeu o diagnóstico de Mpox, conhecida no início como Varíola dos Macacos, Rafael Santos ficou com medo de como seu corpo poderia reagir àquela doença estranha. A informação que tinha até então sobre o tema vinha de um vídeo publicado na rede social TikTok. “Mostrava uma pessoa com lesões pelo corpo e várias cicatrizes. Fiquei assustado”. Até receber a confirmação, Rafael pelejou. Primeiro acharam que ele estava com uma intoxicação alimentar. Depois, dengue. O diagnóstico veio justamente após o aparecimento das primeiras feridas, “semelhantes a espinhas”. O infectologista Vinícius Borges, a quem ele procurou quase uma semana depois do surgimento dos primeiros sintomas, desconfiou da infecção por Mpox – e a confirmação veio por meio de um exame PCR.
O receio de Rafael diante do desconhecido faz sentido. Ainda não totalmente livre da devastação provocada pela Covid, que só no Brasil levou mais de 700 mil vidas, o mundo é tomado por uma nova combinação de ansiedade e medo diante da perspectiva de enfrentar uma outra pandemia. Em 14 de agosto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) acendeu o alerta para a Mpox, classificando novamente a doença como uma “emergência de saúde pública de interesse internacional”.
• Essa mesma classificação havia sido conferida à Mpox em 2022, ano em que o Brasil contabilizou 11 mil casos da doença.
• Com o problema controlado, o alerta de emergência foi encerrado pela OMS em 2023.
• Mas a Mpox voltou com muito mais força, causando preocupação, empurrada pela variante clado 1b, a mais agressiva do vírus desde 1970, quando o primeiro registro da doença em um ser humano foi feito na República Democrática do Congo, na África.
• Desde então, o vírus sempre esteve em circulação, mas nunca com o poder ameaçador de agora (leia quadro com a radiografia da Mpox).
• A doença foi descoberta em macacos de laboratório mas, hoje, especialistas acreditam que os reais hospedeiros são os roedores, inclusive os criados em casa.
Vírus chega à Suécia
● Uma variante diferente dessa atual, a clado 2b, foi responsável pelo surto de 2022, que afetou a Europa e outras regiões do mundo.
● Este ano, segundo o Ministério da Saúde, há, até agora, pelo menos 709 casos confirmados no Brasil.
● Mas no continente africano, e em especial na República Democrática do Congo, epicentro da nova onda, a situação é bem diferente. Há mais de 16 mil casos notificados no país este ano, com 570 mortes.
● O tipo I gera infecções mais graves e é mais contagioso, explica o infectologista Borges.
O que tem preocupado as autoridades agora é a variante clado Ib, confirmada na Suécia na semana passada. Esse tipo também está ligado a um surto crescente na África. O vírus da Mpox está há mais de meio século entre os humanos, os índices de mortalidade até aqui são bem menores, a doença ainda não formou uma pandemia e nem é transmitida pelo ar. São pontos claramente positivos em relação à Covid.
Mas, diante do risco comprovado, mesmo que não tão grande, de se transformar em um fenômeno pandêmico, aliado ao trauma que o Brasil e o mundo ainda não superaram por completo, toda precaução é necessária. “É uma emergência não só para a África, mas para todo o mundo”, definiu o presidente do Comitê Mpox da OMS, o infectologista argelino Dimie Ogoina, ao anunciar o estado de emergência global para a doença.
“É uma emergência não só para a África, mas para todo o mundo.”
Dimie Ogoina, presidente do Comitê Mpox da OMS
Os especialistas combinam otimismo e cautela. “O fato de o vírus não se propagar pelo ar nos leva a crer que a doença se comportará de forma mais controlada”, afirma Borges.
“A Covid tem potencial grande de transmissão. Na Mpox, o contágio se dá por fluidos corporais através das lesões de pele, por meio de contato íntimo prolongado e objetos contaminados. São doenças diferentes”, explica o médico Marcos Boulos, professor sênior da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Uma doença se torna pandêmica quando está em praticamente todos os países do mundo. E endêmica quando toma regiões como ocorre atualmente na África.
Há casos da doença em 13 países, inclusive europeus. “Mas tudo isso ainda não é motivo para pânico”, ressalva Boulos. “Há doenças que, mesmo se comportando como pandemia, não tem abrangência muito grande”.
O alerta global da OMS tem como propósito angariar recursos para pesquisa. “Com a declaração, a organização espera direcionar os esforços para tentar conter o surto”, assinala o infectologista Racylon Teixeira, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, de São Paulo, referência para o tratamento da doença. O hospital atendeu o primeiro caso no Brasil, em junho de 2022.
O Mpox é uma doença relacionada a questões ambientais e hábitos culturais. “Na África, as pessoas têm mais contato com animais silvestres e consomem carne de macaco e roedores”, diz o médico Borges.
Existem duas vacinas contra a doença: a Jynneos e a ACAM 2000. É outra condição para otimismo em comparação com a Covid no início da pandemia, embora esses imunizantes não estejam disponíveis no Brasil e a eficácia de ambos contra a nova variante seja questionada por especialistas. Em 2022, foram ministradas somente para grupos específicos, como imunodeprimidos e homens que fazem sexo com homens. Diante do alerta da OMS, o Ministério da Saúde anunciou a negociação para a compra de 25 mil doses da Jynneos.
Tratamento de sintomas
A doença foi controlada na Europa em 2022 graças aos esforços das comunidades atingidas. “Um vírus não transmitido por via respiratória sempre terá disseminação mais lenta. Mas não significa que não possa atingir alta escala, como foi o caso do HIV”, pontua a professora do Departamento de Patologia da FMUSP Ester Sabino. O tempo maior de evolução oferece, no entanto, chances maiores de responder à epidemia.
No Brasil, foi criado o Centro de Operações de Emergência (COE) para a doença, com o objetivo de “centralizar e coordenar as ações de resposta à situação epidemiológica”. O tratamento é sintomático, para alívio das dores e coceiras nas lesões, e, se necessário, suporte para combater infecções, detalha Borges. “Depois que as fístulas cicatrizam, não existe risco de transmissão”. Mas o maior risco para a pessoa acometida é ter complicações por conta de feridas infeccionadas. À população, ele recomenda que fique atenta aos sinais da Mpox (prostração, febre e lesões, especialmente), não estigmatize os grupos mais vulneráveis e pressione o governo pela disponibilidade da vacina.
Vitor Renna, publicitário, teve a Mpox em maio. Antes do episódio, procurou por vacina no Brasil e não encontrou. Antonio Elias teve o privilégio, como ele mesmo diz, de se vacinar em Toronto, no Canadá, onde estava de passagem em 2022. “Estavam oferecendo imunização para gays. Entrei na fila e logo me vacinei, a um custo de 15 dólares”. Com receio de uma represália no trabalho, Rafael Santos não abriu o diagnóstico quando precisou fazer o trabalho em esquema de home office por conta da Mpox. Já Renna não viu problema em assumir a infecção. Mas, para sua surpresa, ninguém perguntou nada sobre a doença. “Eu acho que a maioria das pessoas, quando associa a doença à sexualidade, se desinteressa pelo assunto. Ah, é doença de gay, não vai me atingir, então nem quero saber nada”, ironiza Renna. Os preconceitos precisam ser curados juntos com as doenças.