Capa

Silvio Santos deixa auditório da TV sem sucessor. Ou Huck, Mion, Faro e cia. vão dar conta?

Crédito: Divulgação

Silvio Santos aos domingos: o Brasil na TV (Crédito: Divulgação )

Silvio Santos (1930-2024)

Por Felipe Machado, Luiz Cesar Pimentel e Mirela Luiz

RESUMO

• Silvio Santos não levou nada da vida, mas sorriu e cantou como poucos.
• Ninguém influenciou tanto os hábitos dos brasileiros quanto o apresentador que começou como camelô e se tornou dono de um império bilionário.
• Inventou o domingo em família, com programas infantis pela manhã, musicais à tarde e um divertido show de calouros à noite.
• Sem distinção de geração ou classe social: suas atrações eram feitas para que todos se reunissem na frente da TV
• A morte do apresentador encerra essa “escola” televisa? Ou ele deixa sucessores? 

 

Ninguém descreveu Silvio Santos tão bem quanto um cadastro da empresa Estrela, em 1958, quando ele assumiu o Baú da Felicidade e firmou parceria com a fabricante de brinquedos: “Cidadão muito loquaz, ótimo vendedor, mas cuidado, o negócio dele é perigoso, de muito risco”. Nascido Senor Abravanel, em 1930, em uma família de classe média judia com origem grega e turca, seu cérebro deveria ser estudado. Era a mesma pessoa multifacetada aos 14, quando começou a trabalhar como camelô, e aos 93, quando faleceu e passou à história como a maior figura da televisão brasileira em todos os tempos. Seu negócio sempre foi um só: vender sonhos, sem se importar com a idade ou a classe social de quem estava comprando.

Essa postura ingênua e ambiciosa explica por que nunca existirá outro Silvio Santos. “O legado dele não desaparecerá. A indústria cultural e midiática tem se transformado, mas ícones seguem sendo símbolos de seu tempo, especialmente ele, que atuava nos programas de auditório e também construiu uma emissora”, afirma Vivian Rio Stella, pós-doutora em Sociolingüística. “Além da presença marcante, muitos signos o diferenciam: a risada, o microfone enorme preso na roupa, os bordões, a linguagem próxima do público, o estilo conversacional, o diálogo com as pessoas da plateia. Foi pioneiro na integração entre conteúdo e venda de produtos, em um tempo que nem se pensava nessa junção.”

Quando Silvio Santos saiu às ruas para vender canetas e porta-documentos, percebeu que precisava de um apelo que o diferenciasse. “Eu fazia mágica, engolia dedal, tirava moedas das orelhas de quem estava assistindo. Quando juntava umas 200 pessoas, aí eu oferecia as canetas. Nunca ganhei tanto, recebia por dia o equivalente a três salários mínimos. Desde então nunca soube o que era falta de dinheiro. Sempre tive mais do que precisei”, disse em 1987 ao jornal O Estado de S. Paulo, em uma de suas raras entrevistas.

“O meu negócio não é ser dono, é ser animador. O que eu gosto é de aparecer no vídeo, vender carnê, trabalhar.”
Silvio Santos, apresentador

E revelou mais: “Para entregar carros premiados pelo Baú da Felicidade, abri a Vimave, concessionária Volkswagen. Para dar casas, montei uma construtora. Abri lojas para entregar mercadorias. Fundei uma financeira para dar crédito para as pessoas comprarem nas lojas. Como entrou dinheiro demais, precisava descarregar o imposto de renda. Compramos com incentivos fiscais uma fazenda no Mato Grosso, a Tamakavy, mas eu nunca fui lá”, explicou, com extrema sinceridade. “O meu negócio não é ser dono, é ser animador. O que eu gosto é de aparecer no vídeo, vender carnê, trabalhar.”

Patrícia Abravanel, Celso Portiolli, Luciano Huck, Marcos Mion e Rodrigo Faro: influência do mestre à frente dos programas de auditório (Crédito:Divulgação )

Sucesso popular

Para Luis Mauro Sá Martino, doutor em Ciências Sociais e professor da Casa do Saber, Silvio Santos seduziu os telespectadores com a figura do self-made-man, o homem que se fez sozinho. “Ele é uma figura presente no imaginário de ao menos três gerações. Como apresentador, definiu um modo de fazer entretenimento na TV, bem próximo de seu público. Como empresário, passava uma imagem de sucesso, muito perto das ideias bem-sucedidas que hoje encontramos com facilidade em outros meios, ainda que com uma roupagem diferente.” Com a criação de uma programação popular e inovadora, o comunicador focou principalmente no domingo, o dia em que as famílias costumam se reunir. Passou a mensagem de que a TV era de todos e para todos. Quando veio a ditadura militar, sentou-se à mesa com generais para discutir uma proposta de modelo com penetração em todas as classes.

É preciso dizer, no entanto, que Silvio Santos também errou e chegou a criar conteúdo ofensivo em algumas ocasiões, principalmente se analisarmos sob o olhar atual. “Não pode ser ignorado o uso de uma linguagem autoritária. Ela é caracterizada por uma comunicação que não permite que seu interlocutor responda livremente, ou seja, não há diálogo, as respostas já estão embutidas nas perguntas. O comunicador dirige totalmente o tema da conversa, sem permitir qualquer tipo de resposta própria”, afirma Mônica Rebecca Ferrari Nunes, professora de Estudos de Comunicação e Linguagens da ESPM. “Outra questão é a própria temática dos quadros que Silvio criou e promovia: Topa Tudo por Dinheiro e Banheira do Gugu são exemplos em que a humilhação serviu de mote para promover o riso fácil das audiências. As duas dificultam uma comunicação emancipadora e cidadã.”

Silvio Santos foi um personagem tão popular que não seria exagero dizer que ele ainda viverá por muitos anos no imaginário do povo brasileiro. Senor Abravanel, no entanto, o homem, faleceu aos 93 anos, no sábado, 17 de agosto. Estava internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo. No dia 18 de julho, o comunicador havia sido hospitalizado para tratar-se de H1N1, recebendo alta dois dias depois. Em 1º de agosto, voltou ao hospital, de onde não saiu mais.

A carreira profissional na mídia começou em 1948, quando foi contratado como locutor na rádio Guanabara.
Um ano depois, foi para o Programa do Guri, da Rádio Mauá, e passou ainda pelas rádios Tupi e Continental.
Conheceu Fernando de Nóbrega, que entregou uma carta de recomendação para seu irmão, Manoel, em São Paulo.
Em 1954, foi convidado para o Programa Manoel de Nóbrega, na Rádio Nacional SP, onde ficou por dez anos, ganhando o apelido de “peru que fala”.
De lá para cá, nunca mais abandonou o público.

Cercado de mulheres

Apesar da fama, Silvio Santos levou uma vida pessoal relativamente reservada. Nunca foi um galã, mas viveu cercado de mulheres — basta lembrar do carinho que dava e recebia das “colegas de trabalho”, as caravanas exclusivamente femininas que lotavam seu auditório. Teve dois casamentos e seis filhas.
Casou-se pela primeira vez aos 32 anos, mas manteve o relacionamento com Maria Aparecida Vieira, a Cidinha, em sigilo, como era comum na época. Com ela teve duas filhas, Cintia e Silvia. Cintia, a quem Silvio chamava de “filha número 1”, foi diretora do Teatro Imprensa e é mãe do ator e cantor Tiago Abravanel. Silvia, adotada, pois Cidinha não conseguia engravidar novamente, apresentou os programas infantis Bom dia & Companhia e Sábado Animado, ambos no SBT. Cidinha morreu em 1977, vítima de câncer.
Em 1981, Silvio casou-se com Íris Pássaro, amiga das temporadas de veraneio no Guarujá. Com ela teve quatro filhas: Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata.

Daniela é a herdeira corporativa. Passou pelos cargos de diretora-executiva, diretora artística e vice-presidente do SBT, onde foi responsável pela aquisição de séries e contratação de profissionais. Com a morte do pai, assume a presidência do canal. Patrícia é a herdeira artística: assumiu como apresentadora o Programa Silvio Santos. Já havia estado à frente de atrações como Cante se Puder, Máquina da Fama e Vem pra cá. Rebeca também ganhou espaço na TV familiar. Apresentou os programas Roda a Roda Jequiti e Caldeirão da Sorte, do Baú da Felicidade, e é casada com o jogador de futebol Alexandre Pato.

É Renata, no entanto, a filha caçula, que assumirá o cargo mais estratégico: aos 39 anos, é a presidente do Conselho de Administração do Grupo Silvio Santos. A holding inclui não apenas o SBT, mas as empresas Jequiti, de cosméticos, Sisan, de empreendimentos imobiliários, Liderança Capitalização, que promove a Tele-Sena, e o Hotel Jequitimar, no Guarujá. É um patrimônio de cerca de R$ 1,6 bilhão. Em 1992, Silvio e Íris passaram por uma crise no casamento. Entre acusações de traição por parte dela, o casal ficou cinco meses separado. Após terem reatado, Íris passou a escrever novelas para o SBT.

Não foram apenas as filhas e a mulher que ganharam espaço na programação do SBT. O faro de Silvio Santos para novatos com potencial era famoso. Descobriu Augusto “Gugu” Liberato, aquele que, na teoria, seria seu herdeiro natural. Mas a morte do apresentador ao cair do telhado de sua casa nos EUA, em 2019, alterou os planos do dono do SBT. Silvio tinha bom faro também para jovens talentosas, com quem gostava de fazer piadas e brincadeiras. Depois de ver a menina Maisa Silva no programa de Raul Gil, na TV Record, convidou a garota de apenas cinco anos para uma reunião. Acompanhada dos pais, ela saiu de lá com um contrato para apresentar o infantil Sábado Animado.

“Foi pioneiro na integração entre conteúdo e venda de produtos, em um tempo que nem se pensava nessa junção.”
Vivian Rio Stella, pós-doutora em Sociolingüística

Jovens talentos

• Eliana, hoje na Globo, foi outra descoberta. Silvio gostou dela quando a viu cantando à frente do grupo feminino Banana Split, empresariado por Gugu, e a convidou para apresentar atrações infanto-juvenis.
Com Larissa Manoela aconteceu a mesma coisa: Silvio agia de forma tão impulsiva que chegou a orientar ao vivo a sua funcionária a procurar a Globo, se quisesse seguir uma carreira de atriz.
Eliemary Silva da Silveira, a Mara Maravilha, foi descoberta quando apresentava a versão brasileira do Clube do Mickey, na TV Itapoan, afiliada do SBT. Cantora e jurada do Show de Calouros, Mara rapidamente conquistou o público e ficou famosa, como todas as que ganharam a benção do mentor.

Patrícia, Daniela, Cintia, Íris, Renata, Rebeca e Silvia (da esq. para dir): as filhas e a esposa do comunicador trabalham no SBT, com exceção de Renata, presidente do Conselho do Grupo Silvio Santos (Crédito:Divulgação )

Entre os homens à frente de programas de auditórios, há uma lista de possíveis herdeiros.
• Rodrigo Faro, da Record
, é carismático e mostra boa conexão com o público.
• Na Globo, Marcos Mion tem personalidade forte e liderança;
• Luciano Huck, com seu Domingão, é versátil e tem preocupação social.
• Celso Portiolli, do Domingo Legal, no SBT, foi apadrinhado por Silvio e segue sua cartilha à risca.

Nenhum deles, porém, inventou um jeito de fazer TV, como fez o apresentador. O impacto que teve na sociedade brasileira garante que nunca teremos outra personalidade igual. Os sonhos que ele vendia continuam os mesmos, mas nunca haverá outro vendedor como Silvio Santos.

Silvio vem aí
Filme estrelado por Rodrigo Faro focará no sequestro da filha do apresentador

(Divulgação)

Criada por André Barcinksi e Marcus Baldini, a série O Rei da TV (Star+) tem duas temporadas e traz José Rubens Chachá no papel principal. A produção não agradou à família Abravanel, que alegou erros e uma visão crítica demais. A resposta virá com Silvio, longa com Rodrigo Faro como protagonista. O filme estreia em 12 de setembro nos cinemas e tem direção de Marcelo Antunez. Ele também resgata momentos marcantes de sua trajetória, mas dá atenção especial ao episódio do sequestro da sua filha Patrícia Abravanel, em 2001.

Vamos sorrir e cantar
Uma carreira marcada pela interação com o público de 1959 a 1975

(Divulgação)

A estreia na televisão, em 7 de fevereiro de 1959, foi no programa Hit Parade, da TV Paulista. Em 1963, o canal 5 foi adquirido pela TV Globo, que passou a exibir o show que levaria o nome do apresentador durante mais de seis décadas: o icônico Programa Silvio Santos. Em 1975 ele comprou o Canal 11, do Rio de Janeiro, e o rebatizou de TVS. Em 1976, quando deixou a TV Globo, suas atrações também passaram a ser transmitidas pela TV Tupi

1981 No auditório

(Divulgação)

Entra no ar o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), o carro-chefe das empresas do grupo. Exibido aos domingos, o Programa Silvio Santos viria a ser sua maior atração, com quadros como Domingo no Parque, Qual é a Música, Show de Calouros e Porta da Esperança

1989 Sem política

(Divulgação)

Silvio Santos arriscou uma meteórica — e frustrada — carreira política. Anunciou a candidatura à Presidência duas semanas antes da eleição em que concorreria com Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva. Por problemas de registro, a candidatura foi indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral.

2001 Samba enredo

(Divulgação)

Silvio Santos foi o tema do enredo da escola de samba Tradição no carnaval do Rio de Janeiro. A agremiação havia tentado por cinco anos convencê-lo a aceitar o convite para desfilar no Sambódromo. Com o enredo “Hoje é Domingo, é Alegria, Vamos Sorrir e Cantar”, o samba foi um sucesso e passou a tocar até nos intervalos da programação do SBT. A emissora tentou negociar os direitos de transmissão do desfile com a Globo, mas não teve sucesso. No dia do desfile, Silvio Santos foi ovacionado pelo público. A Tradição terminou em oitavo lugar, mas recebeu prêmios nas categorias samba-enredo, enredo e personagem, concedidos pelo jornal carioca O Dia.

2001 Sequestro

(Divulgação)

Sua filha Patrícia foi sequestrada por Fernando Dutra Pinto em caso que mobilizou o País. Ela foi libertada após o pagamento do resgate, mas o criminoso voltou e rendeu o próprio Silvio Santos. O governador Geraldo Alckmin participou da liberação dos reféns

2001-2004 Reality show
Após negociação com a Endemol, empresa criadora do Big Brother, Silvio Santos rasgou o contrato e lançou a Casa dos Artistas sem pagar nada. Fez suas próprias regras e escalou famosos como o cantor Supla e o ator Alexandre Frota. O resultado? Um sucesso estrondoso