Editorial

Emendas que matam

Crédito: Ascom/Casa Civil

Carlos José Marques: "A tal 'rastreabilidade' da sem-vergonhice não passa de conversa de botequim" (Crédito: Ascom/Casa Civil)

Por Carlos José Marques

O Brasil parece ter mergulhado numa espiral infindável de chantagens politiqueiras para consumir, corroer e sacrificar o orçamento público nacional. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal foi capaz de conter a sanha insaciável dos parlamentares por verbas. Inicialmente decretou inconstitucional o famigerado desvio de recursos para deputados e senadores, mas assim apenas conseguiu despertar ainda mais a ira e retaliações daqueles congressistas, que loteiam, para seu deleite e conquista de votos, os recursos do Tesouro. Agora, em resposta, eles ameaçam com a revisão dos poderes dos magistrados. Casuísmo na veia. Quem está ligando para tamanha demonstração de prepotência? Virou lugar comum. Quando o assunto é dinheiro parece valer tudo para esses senhores. O capitão da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que comanda a ofensiva revanchista contra a Suprema Corte, em um sobranceiro atrevimento de demonstração de força e de interesses pessoais, controla, ele mesmo, ao lado do colega de Legislativo Davi Alcolumbre, nada menos que R$ 10 bilhões em emendas. É grana para fazer o antigo Mensalão de compra de apoio ao Governo parecer troco de frentista. Essa excrescência batizada de orçamento secreto foi montada ainda à época do capitão desavergonhado, Jair Messias Bolsonaro. Vingou e cresceu à sombra da complacência federal e assumiu ares de barganha institucionalizada, com o Executivo cooptado, entregue às veleidades partidárias. Falta transparência em cada centavo que sai da conta oficial, via pix, para as destinações ditadas pela matilha de políticos. No STF repousam atualmente nada menos que 13 resultados de investigações – que podem se transformar em inquéritos criminais – sobre suspeitas de uso indevido das tais emendas impositivas. Tem de tudo em termos de tramoias por ali, evidenciando que a prática é a mais acintosa demonstração de que meteram a mão grande no bolso do pobre contribuinte. E esse, por sua vez, não tem nada a fazer, a não ser assistir ao deplorável espetáculo de disputas pedestres pela bufunfa alheia. Para destravar propostas federais, que atendam aos interesses majoritários da população, é preciso pagar, e caro, molhando a mão dos senhores parlamentares, que estão longe de representar a legítima vontade e encaminhar as demandas de quem os colocou naquela Casa e posição. A compra da máquina pública está em avanço total, nos bastidores das negociatas, em salas fechadas e à boca pequena. Na prática, a consagração desse modus operandi de fazer política representa uma morte sofrida, lenta e implacável das contas públicas e, ao que tudo indica, nem mesmo uma revisão orçamentária será capaz de dar conta do fosso aberto nessa seara. Somente a renegociação da dívida dos Estados, que avançou como rebarba da história das tais emendas, pode vir a tirar nada menos que R$ 44 bilhões da contabilidade financeira da União. Uma barbaridade! Estão todos, parlamentares, governadores e o Planalto inclusive, no mesmo balaio da gastança sem dó nem piedade. A tropa de choque do Legislativo vem, de fato, nessa toada exterminando qualquer chance da retomada de crescimento sólido por essas bandas e, o que é pior, provando que a esperteza virou grande moeda nas relações institucionais de nossa República. E o corolário confirma a regra: passaram-se poucos dias para que a constelação de poderes se reunisse à mesa e tentasse uma acomodação de interesses. Por assim dizer, na linguagem indígena, fumaram o cachimbo da paz, entraram no entendimento e conceberam aquilo que se praticava, desta feita revestido pelo manto de uma lorota: a de que, daqui para frente, critérios de transparência irão prevalecer. Acredita quem quer. De uma forma ou de outra, as emendas PIX seguem valendo. Vigora a vontade máxima da cúpula parlamentar que, definitivamente, manda e desmanda no Brasil da forma como acha melhor. O Supremo concedeu, recuou, aceitou o que antes apontara ser inconstitucional. Estava com a faca no pescoço, induzido pela ameaça de perder espaço. O que diz a nova regra acordada em conferência de conciliação para manter a esbórnia financeira do bataclan de deputados e senadores: que as tais destinações de recursos, daqui por diante, serão identificadas previamente (não eram, sabia?) e as verbas serão priorizar essencialmente a obras inacabadas, com a supervisão direta do Tribunal de Contas da União (TCU). Fiquemos combinados, dessa forma, que todos acreditam no arremedo de disfarce. A tal “rastreabilidade” da sem-vergonhice não passa de conversa de botequim. A história mostra.