Internacional

Mundo vê volta da ameaça nuclear; saiba quem é quem na corrida armamentista

Após reduzirem arsenal desde o fim da Guerra Fria, EUA, Rússia, Coréia do Sul, China e outros países retomam a produção de armas de grande poder destruidor. A nova corrida armamentista está a pleno vapor

Crédito: Stringer/Kcna/Kns/AFP

Arsenal de guerra da Coreia do Norte inclui mísseis poderosos como o imenso Hwasong-15 (Crédito: Stringer/Kcna/Kns/AFP)

Por Eduardo Marini

O mundo testemunhou a redução drástica na produção de armamento nuclear após o fim da Guerra Fria. Entre 1986 e parte de 2023, o estoque planetário de ogivas nucleares desabou de 70 mil para 12 mil. Mas o longo viés de baixa, infelizmente, virou coisa do passado. A rivalidade bipolar entre americanos e soviéticos foi substituída por um cenário em que a Casa Branca é confrontada por rivais como Rússia, Coreia do Norte e Irã, que voltaram a produzir material de guerra e compartilham tecnologia militar. Além de enfrentar novas tecnologias e mais adversários, Washington confia cada vez menos na disposição dos aliados ocidentais, entre eles França, Alemanha e Grã-Bretanha, de se envolver hoje no pega pra capar de combates. Por tudo isso, e com a justificativa de que é preciso se atualizar para garantir a defesa dos parceiros da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan), os EUA reagem ao embalo dos adversários com aumento de investimentos em novas armas.

“Após décadas de reduções, estamos à beira de nova corrida armamentista”, resume Orion Noda, doutor em Relações Internacionais pela USP e o Kings College de Londres e professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP). “A ousadia é afirmar que os EUA são forçados a voltar à corrida contra a vontade”, acrescenta o pesquisador.

“Uma nova escalada nuclear está em andamento”, resume a revista britânica The Economist. “A América deve tranquilizar os aliados de que seu guarda-chuva nuclear ainda os protege. Infelizmente, precisará expandir seu arsenal nuclear. Vacilar em qualquer uma das contas alimentará a proliferação entre inimigos e amigos, tornando a América e o mundo menos seguros”, acrescenta a publicação.

Putin fortaleceu parceria com Jong-Un em visita à Coreia do Norte (Crédito:Vladimir Smirnov)

Um relatório recente do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), mostra que EUA, Rússia e mesmo a “surpresa” China voltaram a pisar no acelerador em programas de armamentos. Não é só: todas as nove nações controladoras de estruturas nucleares (Rússia, Índia, China, Coreia do Norte, EUA, França, Paquistão, Reino Unido e Israel) ampliaram arsenais.

Os autores do estudo estimaram em 12.121 o número de ogivas espalhadas pelo mundo em janeiro de 2024, 9.585 em operação plena.

Armas como show

A volta da ameaça pode ser percebida por vários ângulos.
A China constrói silos de mísseis ao norte do país.
O líder russo Vladimir Putin reforça a intenção de virar mais mísseis em direção à Europa Ocidental.
O Irã está mais próximo da bomba atômica do que há cinco anos.
Na Coreia do Norte, o líder Kin Jong-Un transforma em shows imagens de testes e desfiles do aparato, que inclui o míssil intercontinental Hwasong-15 e o novo submarino gigante Hero Kim Kun.

Putin, que fez a primeira visita ao aliado em junho último, conta com peças como os mísseis Satã 2, que alcança 18 mil quilômetros e iria de Moscou a Portugal (quatro mil quilômetros) em escassos nove minutos, e o hipersônico Zircon, capaz de atingir 11,2 mil quilômetros por hora – nove vezes a velocidade do som (leia quadro).

A dificuldade americana aparece também entre países aliados. Sete em cada dez sul-coreanos acham que o país deveria ter bomba atômica para acalmar os ímpetos do inimigo do norte. Quando a Coreia do Sul passou a receber sombra do guarda-chuva americano, Jong-Un não contava com míssil de longo alcance nem artefato nuclear. Hoje, tem bomba na agulha suficiente para incinerar cidades americanas. Grã-Bretanha e França se preocupam com a possibilidade de encarar a Rússia sem a ajuda desejada. Se o Irã chegar à bomba, Arábia Saudita e Japão poderão buscar o mesmo objetivo.

Líder norte-coreano transforma em show imagens como a do submarino Hero Lim Kun Ok (Crédito:Nkorea Nuclear Submarine)

A ideia de que os EUA são forçados a retornar à corrida a contragosto, pelo “dever” de defender o Ocidente, não convence Noda. “A modernização jamais cessou”, afirma. “Tramitou até com Barack Obama, vencedor do Nobel da Paz com discurso do mundo livre de ameaça nuclear. A volta destrói a credibilidade dos nucleares de se desarmarem e deteriora a relação com os não-nucleares. O Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) é chamado de grande barganha. Os não-nucleares evitam o clube e, em troca, os nucleares se desarmam. A retomada incentiva saída de não-nucleares do TNP, abrindo portas para a proliferação horizontal”.

O estrago poderá ser maior.