“A Venezuela não é o meu modelo de democracia”, diz deputado Rui Falcão
Por Germano Oliveira
Ex-presidente nacional do PT, o deputado Rui Falcão é um dos parlamentares mais próximos de Lula, tanto que o presidente delegou a ele a coordenação da campanha de Guilherme Boulos à prefeito de São Paulo, considerada pelo mandatário como prioridade. ”Boulos não é só o candidato do PT, do PSOL e das federações, é o meu candidato”, disse Lula na convenção com mais de 10 mil pessoas que oficializou a candidatura do ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) à Prefeitura da maior cidade da América Latina. Formado em Direito pela USP, jornalista e preso político pela ditadura militar na década de 70, Falcão é uma das vozes mais respeitadas no Congresso. Aos 80 anos, o deputado evita afirmar que a Venezuela seja uma ditadura, preferindo dizer que o país de Maduro não é o seu modelo de democracia. Ele também não acredita em crise institucional entre o STF e o Congresso por causa da suspensão das emendas impositivas e defende o ministro Alexandre de Moraes no caso do vazamento de mensagens sobre investigações feitas pelo magistrado. “Não houve nenhuma ilegalidade ou ilicitude nas suas ações”, disse o deputado petista em entrevista à ISTOÉ.
Lula disse que a Venezuela é um regime desagradável, com viés autoritário, mas não é uma ditadura. O sr. concorda?
Essa é a posição do presidente. Cada povo escolhe o regime que prefere. Não é meu papel ficar opinando sobre a vida dos outros países, mas a Venezuela não é o meu modelo de democracia.
O PT chegou a emitir uma nota reconhecendo a reeleição de Maduro. Lula está reticente em reconhecer o resultado, afirmando que precisa ver as atas da votação. O sr. acha que há divergências dentro do PT?
Acho que não. Se você for ver, quando o Lula disse que tudo tinha corrido bem na Venezuela, ele estava se referindo ao dia da eleição – não teve mortes, nem violência e as pessoas puderam votar. Mas o governo é uma coisa e o partido é outra. As posições não precisam coincidir. Um exemplo foi a discussão do Marco Fiscal, em que a Gleisi Hoffmann tinha uma posição diferente, assim como eu. Votei a favor, mas votei em separado, assim como outros 22 deputados. Temos feito críticas a algumas posturas do governo e pensamentos sobre o déficit zero. O PT tem o direito de fazer isso. Em relação à Venezuela, acho a posição do governo cautelosa, assim como a do bloco que inclui Colômbia e México. O Itamaraty está trabalhando para uma solução viável e conciliatória.
Como o sr. viu a decisão do STF de suspender as emendas impositivas? O Congresso chegou a ameaçar o Judiciário com retaliações, mas os Poderes estão chegando a um acordo e as divergências superadas, certo?
Eu acho que tem havido divergências entre o Supremo e o Congresso e esta não é a primeira vez que há desentendimentos entre os dois Poderes. Agora, o Supremo é um Poder que não tem necessariamente que seguir todas as decisões do Congresso. Já houve outras medidas do Legislativo que foram suspensas pelo Supremo, consideradas inconstitucionais. E já houve decisões do Supremo referendando posições do Congresso. Neste caso, canais de negociação foram abertos, com a realização de reunião entre todos os Poderes nesta terça-feira, 20, com a celebração de um grande acordo. Afinal, o que o Supremo estava exigindo? Que houvesse um processo de transparência em relação às emendas impositivas. Elas foram suspensas pelo STF, que aguardava um prazo para que o Congresso tornasse as emendas mais transparentes. Vai acabar havendo um meio termo, como aconteceu no caso do Orçamento secreto, que já foi modificado, embora não como o Supremo gostaria.
Como acompanhou o vazamento das mensagens envolvendo as investigações do ministro Alexandre de Moraes? Acha que essa repercussão pode dar munição para o ex-presidente Bolsonaro pedir anistia?
Primeiro, não tem gravação alguma. Parece que foi vazado por um dos juízes (Eduardo Tagliaferro) que foi demitido, mas independente de quem vazou, acho que está havendo uma equiparação que não se justifica. No Brasil, nós temos a figura de que um dos membros do Supremo Tribunal Federal é o presidente do TSE e a lei diz que um ministro do STF pode oficiar para ele mesmo no TSE. São dois órgãos diferentes, conduzidos pela mesma pessoa. Então não dá para equiparar com o que ocorreu na Operação Lava Jato. Como também não dá para comparar o caso do relógio de R$ 60 mil que o presidente Lula usou, com o caso do roubo das jóias que o ex-presidente Bolsonaro desviou do patrimônio da União. Então, essas comparações seguem uma lógica de que o objetivo da extrema direita é não só anistiar Bolsonaro, como também todos os golpistas do 8 de janeiro. Prova de que o ministro Alexandre de Moraes não cometeu nenhuma irregularidade é que o MP está referendando suas decisões. Não houve nenhuma ilegalidade e nenhuma ilicitude nas suas ações.
Como coordenador da campanha de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo, o sr. acredita que Lula vai montar acampamento na cidade para eleger o seu candidato e evitar a todo custo uma derrota para prefeito Ricardo Nunes, apoiado por Bolsonaro?
Lula disse na nossa convenção paulista, que foi a maior da história – com mais de 10 mil pessoas – que São Paulo é sua prioridade. Estará aqui em alguns momentos importantes da campanha de Boulos. Reforçou isso ao pedir para que eu me licenciasse do cargo de deputado federal para ajudar na coordenação da campanha. Lula disse na convenção: “Boulos não é só o candidato do PT, do PSOL e das federações, é o meu candidato”. Ele tem muito carinho pelo Boulos. Quando a Janja foi a Paris, durante as Olimpíadas, Lula veio para São Paulo e pediu para ter um encontro com o Boulos. A conversa foi muito boa.
O sr. acha que a eleição municipal será polarizada entre Lula e Bolsonaro?
Boulos vai deixar claro que o objetivo dele é procurar melhorar a vida da população. Fará isso em primeiro lugar, combatendo as desigualdades profundas que existem na cidade em todos os sentidos – de renda, de gênero, de raça, de localização. Ele tem propostas de políticas públicas para as áreas principais da cidade. Boulos vai reconhecer que o que funciona bem deve ser aperfeiçoado, como as faixas azuis para motociclistas. No entanto, há mudanças profundas a serem feitas. No Orçamento, por exemplo, o atual prefeito gasta muito e gasta mal. Mas ele vai deixar evidente, também, que o atual prefeito tem fortes ligações com o bolsonarismo. Não queremos a volta do retrocesso e do autoritarismo.
Apesar de ser o partido do presidente, o PT só vai ter candidato próprio em 13 capitais, com chances reais de vencer apenas em Fortaleza e em Teresina…
Pelo que eu tenho visto nas pesquisas, a Maria do Rosário está bem em Porto Alegre, assim como a Natália Bonavides em Natal.
Por que o PT tem dificuldade para eleger prefeitos nas capitais? Em 2020 também foi assim, certo?
A eleição municipal é muito movida pelas questões locais. Aqueles que estão no governo são favoritos porque usam a estrutura para ganhar visibilidade na entrega de obras, por exemplo. O Boulos passou um ano empatado em primeiro lugar nas pesquisas, ou na frente, mesmo sem ter praticamente nenhum espaço na mídia. E não é por perseguição, mas porque tudo o que o prefeito faz sai na TV. Só agora, com as proibições de inaugurações e entregas de obras, é que surge um mínimo de condições de disputa em igualdade de condições. Há uma outra questão que é objeto de debate interno no PT: abandonamos um pouco o debate político, fazemos campanha de dois em dois anos e não estamos mais tão presentes no dia a dia da população. Antes estávamos na associação de bairro, nos times de futebol de várzea, e esses espaços acabaram sendo ocupados por outros partidos políticos. É preciso retomar esses espaços, dialogar mais com a população e fazer disputa de ideias.
A força do governo Lula não está melhorando a imagem do partido?
Com tantas entregas do governo federal – aumento real no salário mínimo, desemprego mais baixo dos últimos anos, Minha Casa Minha Vida vitaminado, Farmácia Popular, Mais Médicos – porque a popularidade do Lula não cresce? Essa pergunta precisa ser respondida. O governo está melhor do que a sensação que a população tem a respeito dele. Embora esteja vivendo muito melhor do que no tempo de Bolsonaro, os dois estão no mesmo nível de avaliação. Então está faltando uma disputa de ideias.
O PT abandonou a periferia?
Não sei se abandonou, mas não está muito presente, não está muito enraizado, mas isso, no geral, é pela falta de disputa, pela falta de presença em outros locais. Tem a crise dos sindicatos, junto com as mudanças no mundo trabalhista, tem a questão das redes sociais e digitais… Precisamos ajustar nossa atuação a esta realidade.
O PT nasceu em São Paulo, mas só tem quatro prefeituras no estado atualmente – Mauá, Diadema, Araraquara e Matão. O sr. acha que o PT precisa mudar o discurso para vencer em um maior número de cidades?
O partido tem de se reorganizar melhor. Nós vamos crescer aqui em São Paulo, o nosso presidente estadual, Kiko Celeguim, é dedicado, jovem, foi prefeito duas vezes em Franco da Rocha. Dinamizou o partido no estado e tem participado da campanha do Boulos. A meta é conquistar 20 prefeituras neste ano – em 2012, quando eu era presidente do partido, fizemos 73 prefeitos em São Paulo. Era uma outra época, uma outra situação. Eu considero a Gleisi Hoffmann, a primeira mulher a presidir nacionalmente o PT, uma boa comandante, mas ela terá que sair no ano que vem porque o estatuto não permite a continuidade dela. Fala-se em nomes do Edinho Silva e do José Guimarães, mas ainda é preciso ver qual será o processo de escolha, se será por eleição direta ou por meio de congressos.
Com Bolsonaro inelegível, os bolsonaristas estariam dispostos a lançar o governador Tarcísio de Freitas como candidato a presidente. O senhor acha que ele será o adversário de Lula em 2026?
Eu acho que ele será o candidato, embora o bolsonarismo-raiz se esforce para votar a proposta de anistia e tornar Jair Bolsonaro elegível. O fato é que o governo paulista está recheado de integrantes do bolsonarismo-raiz. O PT e o Lula estão convencidos de que Tarcísio deverá ser o candidato do sistema, visto por eles como alguém capaz de derrotar o Lula, embora Tarcísio faça questão de dizer que está muito bem aqui em São Paulo, disposto a disputar a reeleição.