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Autonomia da PF volta a ser discutida. E pode ter viés ideológico, dizem analistas

Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Um dos objetivos da busca por autonomia é dar liberdade aos agentes e diretores na definição e execução de operações (Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Por Marcelo Moreira e Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Cúpula do órgão prepara documento que retoma pontos da Proposta de Emenda Constitucional nº 412, estacionada na Câmara desde 2009
• Ideia é conquistar maior autonomia e mandato fixo para diretor-geral
• A questão que fica: quem interessa uma PF independente e sem ingerência política, como o Banco Central?

Autonomia de gestão e de orçamento, com diretrizes próprias e reduzido impacto de ingerências políticas ou administrativas. A descrição acima poderia ser aplicada ao funcionamento atual do Banco Central, mas é algo pretendido há algum tempo pela Polícia Federal (PF). Defendida por uns, contestada por outros, a independência do órgão federal de investigação é alvo de discussão desde 2009, quando surgiu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 412, de autoria do então deputado federal Alexandre da Silveira (PPS-MG).

A questão foi resgatada por declarações do diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, sobre as bases de uma nova lei orgânica da instituição que, entre outras coisas:
fixa mandato para os futuros comandantes,
• limita a capacidade do presidente da República exonerar quem estiver à frente da corporação,
• estabelece regras para integrantes da organização participarem de eleições ou atividades políticas.

Mesmo em estágio inicial, a possibilidade de avanço do esboço de lei orgânica é considerado embrião de um projeto de tornar a PF autônoma e independente. Se levada à frente, a iniciativa teria de passar por análise e votação no Congresso Nacional. Outro ponto importante é que, se Rodrigues elabora o texto da lei orgânica, ao menos o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, está ciente da empreitada. Nem Rodrigues nem o Ministério da Justiça quiseram comentar o assunto.

O tema é incandescente e mexe com ideologia e corporativismo, opondo liberais de viés direitista e democratas supostamente de esquerda, além de delegados de polícia federais e agentes da instituição. “O que se pretende na prática é uma PF atuando como o atual Banco Central, de forma autônoma, blindada, imune à interferência política direta, decidindo quem e o que investigar. A questão central é: a quem interessa um órgão de investigação importante independente?”, analisa um parlamentar paulista que pediu para não ser identificado.

Especialistas em segurança pública veem, em princípio, como uma ideia interessante a ser discutida e aprimorada, principalmente em relação à transparência em órgão decisivo na estrutura de segurança, que ainda carrega vícios que remontam de sua criação, em 1967, pela ditadura militar.

“Vejo a iniciativa como positiva. Os policiais federais precisam ter autonomia para investigar o que precisa ser investigado. É preciso que haja mecanismos de controle social para que interesses outros não interfiram nos trabalhos. As coisas tendem a melhorar sem ingerência política ou corporativa, quem sabe com um controle externo e fiscalizador do Ministério Público Federal”, opina Rafael Alcadipani, professor de Direito ds da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Rodrigues (à dir.) espera contar com o apoio do ministro Lewandowski na empreitada (Crédito:Mateus Bonomi)

Apoio dos delegados

O assunto está esquecido no Congresso. Em pleno processo eleitoral municipal, praticamente nenhum parlamentar se manifestou recentemente sobre o tema. A PEC 412 está empacada há anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Ainda assim, tem apoio integral dos delegados da PF, que há anos defendem autonomia de gestão e orçamento da instituição.

“A PF não possui autonomia administrativa, funcional, orçamentária e financeira, o que a fragiliza tanto a gestão de seus recursos como o desenvolvimento de sua atividade”, explica a delegada Tânia Prado, presidente da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (Fenadepol) e do Sindicato dos Delegados da Polícia Federal do Estado de São Paulo (SINDPF-SP). “Sem isso, a instituição fica vulnerável e sujeita a pressões externas. Defendemos a PEC para fortalecer a instituição. Os cortes de orçamento da PF acabaram com os recursos destinados à indenização de sobreaviso de seu efetivo. Se a PF tivesse autonomia, não passaria por tal situação de penúria.”

Do lado oposto estão agentes contrários à PEC e a qualquer iniciativa que possa levar à independência. “A PF é um órgão de Estado. Integra a estrutura de segurança pública administrada pela União. Não faz sentido desvinculá-la do governo”, argumenta Marcus Firme dos Reis, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). “Não dá para reduzir a questão a um simples debate corporativo sobre atribuições e incumbências. É uma questão de preservação da democracia, que corre perigo com a autonomia. Imagine uma instituição com seus integrantes armados sem controle e fazendo o que bem entende. O presidente da República precisa ter direito de demitir e trocar diretores da PF”, acrescenta.

Reis faz ressalvas ao argumento de que o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou influenciar a PF ao trocar sistematicamente superintendentes estaduais. “É verdade, mas a PF continuou a funcionar como sempre, autônoma e sem perder a vinculação com o governo. Houve investigação de atos da alta cúpula nos governos Dilma Rousseff, Michel Temer e Bolsonaro sem interferências nos trabalhos”. Difícil saber até que ponto a independência da PF atravessou todos esses governos. De qualquer forma, o assunto está voltando à pauta.