Cultura

O lado B da TV: Boni conta bastidores da carreira na Globo em novo livro

Responsável pela programação que revolucionou a televisão brasileira e deixou a Rede Globo anos-luz à frente da concorrência, o executivo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, lança autobiografia em que homenageia antigos colegas de emissora

Crédito: arte: Cleber Machado. fotos: reprodução

Sair do rádio para a TV, passando pela publicidade, ajudou Boni a ter uma visão geral da comunicação. Do alto para baixo, alguns dos programas que criou: Globo Repórter, Jornal Nacional, Fantástico, Os Trapalhões e a novela Roque Santeiro (Crédito: arte: Cleber Machado. fotos: reprodução)

Por Felipe Machado

Uma das maiores conquistas da TV brasileira é o chamado “padrão Globo de qualidade”, que há décadas norteia os caminhos da maior emissora do País e mantém suas produções em um nível alto até mesmo para as normas internacionais. O responsável por esse modelo tem nome e apelido: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Considerado um dos criativos mais emblemáticos da história do audiovisual no País, o empresário de 88 anos lança a autobiografia O Lado B de Boni, em que trata dos bastidores de sua carreira e presta homenagem aos colegas na frente e atrás das câmeras.

A expressão “lado B” é uma referência aos discos de vinil, onde o segundo lado, o “B”, costuma trazer as músicas menos conhecidas. É a mesma coisa aqui: o executivo já havia lançado uma autobiografia convencional em 2011, O Livro do Boni. Desta vez, optou por histórias menos conhecidas, destacando a importância dos parceiros que colecionou ao longo de mais de cinco décadas de carreira.

Apesar de ter o nome associado à emissora carioca, Boni é paulista, da cidade de Osasco.
Apaixonado por cinema, começou no rádio na década de 1950, antes de seguir como publicitário.
Foi estagiário do dramaturgo Dias Gomes; pouco depois o contratou para estruturar o setor de novelas ao lado de Janete Clair. Foi uma jogada de mestre: após assinar uma nova versão de A Ponte dos Suspiros sob o pseudônimo Estela Calderón por perseguição da ditadura, Dias Gomes escreveu os sucessos O Espigão, Saramandaia, O Bem-Amado e Roque Santeiro. Proibida em 1975, a novela foi regravada em 1985 após o fim do regime militar.

Entre as personalidades mais importantes do livro estão Walter Clark, que o convidou para assumir a programação da TV Globo, em 1967, aos 31 anos, após trabalharem juntos na TV Rio. A parceria durou dez anos, até que Clark se indispôs com o proprietário do canal, Roberto Marinho. “Prefiro perder a Globo a ficar com Walter”, disse Marinho. Clark não perdoou: “Você devia ter saído comigo”, cobrou. Boni não saiu e os dois romperam a amizade.

(Divulgação)

Pioneirismo e força

O Lado B de Boni é um grande almanaque dos “causos” vividos por ele. As passagens por outras empresas, como as TVs Excelsior e Bandeirantes, o levaram a crer que seria mais rentável seguir o modelo dos EUA, com canais regionais integrados e transmitindo o mesmo conteúdo. Boni aplicou a ideia à Globo, assim como João Saad fez com a Bandeirantes.

Depois de citar Armando Nogueira, à frente do jornalismo por décadas, quem merece um dos mais longos capítulos é Daniel Filho. Além de elogios ao diretor, um dos responsáveis, segundo Boni, pela qualidade técnica das telenovelas brasileiras, ressalta o impressionante número de sucessos que ele assinou: de novelas como Selva de Pedra à Rainha da Sucata, passando por humorísticos (Sai de Baixo), musicais (Chico & Caetano) e séries (Malu Mulher e Carga Pesada, entre outras). Boni relata que os dois se entendiam com o olhar: uma reunião de uma hora com outro profissional durava menos de quinze minutos entre eles.

Daniel é protagonista de um dos casos mais curiosos do livro: o diretor foi ameaçado pela mulher, Dorinha Duval, que o perseguiu pelos corredores da Globo segurando uma faca — Boni o escondeu em sua sala, mesmo sem acreditar que ela seria capaz de fazer mal a uma mosca. Anos depois, após Daniel e a esposa se separarem, veio a tragédia: Dorinha assassinara o novo marido a tiros.

Jornal Nacional, Fantástico, especiais de Roberto Carlos, Globo de Ouro, aberturas de Hans Donner, o Globo Repórter. É difícil lembrar de um marco televisivo que não tenha em seu DNA a assinatura de Boni. Participou da contratação de grandes nomes, de Renato Aragão a Xuxa, de Galvão Bueno a Faustão.

No final do livro, confessa o ressentimento por ter saído após ser rebaixado a consultor: “Em 1998, após 31 anos de trabalho para construir a TV Globo, fui barrado no baile. Ou melhor: fui expulso da sala”.

Mas Boni tem a noção exata de sua importância. “Depois de 25 anos que deixei a empresa, quase todos os programas que criei ainda estão no ar. Músicas de abertura que encomendei ou aprovei continuam sem modificações. Até os nomes das sessões de cinema permaneceram. Não me incomodo. Me sinto valorizado.”