Custo político de cortes no Orçamento pode ser alto para o Governo; entenda
Lula e seus ministros avaliam como negativos os impactos políticos dos bloqueios de verbas orçamentárias nas áreas sociais, como os programas Farmácia Popular e Pé-de-Meia. Até os aliados se queixam
Por Marcelo Moreira
O custo político é maior do que o custo fiscal ou orçamentário. É com essa preocupação que o governo federal procura se equilibrar na retomada dos trabalhos do Congresso neste mês de agosto, quando os parlamentares voltam os olhos para as eleições municipais de outubro. De todos os lados surgem críticas contra os bloqueios e contingenciamentos de R$ 15 bilhões anunciados pela equipe econômica para as adequações às metas fiscais, mas pesam sobretudo as queixas de aliados a respeito dos cortes feitos em áreas sociais, o que vem irritando governistas e provocando ataques por parte dos oposicionistas.
O mantra repetido pelo presidente Lula e seus ministros da área econômica de que as reduções de gastos não passam de “adequações ao Orçamento” e que os bloqueios não penalizarão os mais pobres não passam de discurso em véspera de campanha eleitoral. Na realidade, a situação é muito complexa porque os tais contingenciamentos não costumam ser localizados, afetando a população como um todo.
“É preciso ter vontade política e coragem para tomar certas decisões, seja qual for o impacto e o tamanho das resistências, ainda mais quando percebemos que mexer em Orçamento é muito difícil. Afinal, as despesas estão quase todas carimbadas. Sempre haverá um custo político quando se perseguem metas para deixar as contas públicas em dia”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ao comentar os esforços fiscais do governo.
No Palácio do Planalto, a questão é tentar calcular o tamanho do custo político e seus impactos, tanto na eleição municipal quanto na imagem do governo Lula. A eleição se aproxima e as preocupações crescem. As estimativas do Planalto indicam que são necessários cortes de até R$ 26 bilhões. “O presidente determinou o cumprimento do arcabouço fiscal a todo custo e estamos determinados a fazer isso”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao anunciar as primeiras áreas que seriam atingidas pela tesoura do governo.
Só que o congelamento dessas medidas enfureceram até mesmo parlamentares da base aliada no Congresso.
• Isso aconteceu em relação a um dos carros-chefes da gestão Lula: o programa Farmácia Popular, que fornece medicamentos gratuitos para a população mais pobre. Essa foi uma das ações mais afetadas pelo corte de gastos decretado pelo governo, com R$ 1,7 bilhão bloqueado no Orçamento da União.
• Outra área atingida foi o Auxílio Gás, importante mecanismo para redução da fome.
“Na prática não haverá efeito significativo a curto prazo, mas o impacto da notícia é fulminante e municiará a oposição contra nossos candidatos no período eleitoral. Eu acho que dava para evitar essa enrascada”, comentou um deputado federal da base governista sob a condição de anonimato.
Reação imediata
Como não poderia deixar de ser, a repercussão foi imediata. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, o maior nome da oposição, usou suas redes sociais e as do seu partido, o PL, para tripudiar sobre o anúncio feito pela equipe econômica. “Falaram que ia ter picanha no prato da população, mas agora não vai ter nem mesmo ensopado de galinha.” Deputados federais de partidos de oposição subiram o tom e falam em “estelionato eleitoral” para criticar as “falsas promessas” de campanha feitas por Lula.
O partido Novo, que também faz oposição ao governo, aproveitou para atacar Lula e seus aliados. Em texto publicado nas redes sociais, o partido diz que “o marco fiscal petista atrelou crescimento da arrecadação ao aumento de despesas, em oposição ao que previa o teto de gastos aprovado no governo Temer. O resultado é uma reiterada tentativa governamental em avançar sobre o patrimônio dos brasileiros. O incentivo é perverso. Como ninguém aguenta mais tantos impostos, o governo decidiu reduzir as despesas, avançando primeiro sobre os vulneráveis. Não é novidade. Os governos petistas têm vocação em privilegiar os mais ricos, fazendo uso das instituições republicanas”, disse o post do Novo.
Entre os governistas, o vice-líder do governo na Câmara, deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), saiu em defesa de Lula, garantindo que “os pobres não serão afetados”. Em diversas entrevistas, ele preferiu atribuir ao Banco Central o fato de a economia não estar crescendo mais e voltou a pedir que a taxa de juros comece a cair o mais rápido possível. “Não dá para termos um ‘austericídio’ fiscal que vai causar prejuízos para os pobres. O ônus vai recair sobre eles.” A fala está sendo utilizada por adversários como exemplo de contradição do governo, já que não há consenso nem mesmo como proceder em relação ao corte de gastos públicos.
Remédios baratos
Em julho, o governo promoveu uma contenção de gastos no valor de R$ 15 bilhões para cumprir as regras fiscais deste ano. Os ministérios foram responsáveis por definir quais áreas serão atingidas. Não há garantias de que o dinheiro retorne ao caixa dos órgãos públicos. Os recursos só serão descongelados se as contas voltarem a ficar em dia, o que não faz parte do cenário atual.
O programa Farmácia Popular tem um Orçamento de R$ 5,2 bilhões para 2024, sendo R$ 4,8 bilhões apenas para o sistema de gratuidade, que financia 100% do valor do medicamento. O restante fica para o sistema de copagamento, em que o governo paga uma parte do remédio e o cidadão paga o restante. O bloqueio atingiu 36% do programa gratuito.
Também foram afetados os programas com maior visibilidade na Esplanada dos Ministérios, como as concessões de rodovias (R$ 934 milhões) e o Auxílio Gás (R$ 580 milhões), que subsidia o botijão de gás para famílias carentes.