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“Nunca fizemos militância no palco”, diz Tony Bellotto; leia entrevista com os Titãs

Crédito: Tony Santos

Branco Mello, Sergio Britto e Tony Bellotto no estúdio onde registraram Microfonado, conjunto de sucessos quase acústico com convidados (Crédito: Tony Santos)

Por Luiz Cesar Pimentel

Para comemorar 40 anos de banda, em 2022, os três Titãs remanescentes dos oito originais convocaram o restante da turma e se reuniram no palco após 30 anos. Voltaram à gangue Nando Reis, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Charles Gavin — Marcelo Fromer, que faleceu em 2001, foi substituído pelo constante produtor da banda, Liminha. Era para serem 10 shows, que se transformaram em 20, 30 e a turnê Encontro cresceu, passou por 16 estados em dois anos, viajou para Portugal e EUA e terminou com 50 apresentações, lotando estádios e consagrando o grupo como o maior brasileiro no gênero. Mas eles desmontaram a estrutura superlativa e voltaram ao estúdio em projeto ambiciosamente oposto — gravar canções pinçadas do repertório, não obrigatoriamente hits, em versões quase acústicas e com convidados pouco usuais aos palcos roqueiros, como Ney Matogrosso e Preta Gil. Tony Bellotto, Sergio Britto e Branco Mello, os três resistentes titãs, conversaram com a ISTOÉ e contaram o que os motivou ao registro Microfonado e o que os motiva a seguirem, 42 anos depois.

Vocês vieram de uma turnê que os consolidou como a maior banda de rock do País e no movimento seguinte voltam para uma coisa intimista. O que motivou essa decisão?
Tony Bellotto — Manter essa reputação de maior banda de rock do Brasil por tanto tempo não é uma coisa fácil. A gente desde o começo sempre aceitou esses desafios majestosos e monumentais. Fizemos uma reunião com os integrantes originais e foi bom em todos os sentidos, não só comercialmente, pois mantemos relação muito boa e resolvida. Quando acabou a turnê, sentimos naturalmente uma vontade de fazer algo diferente, justamente para afirmar essa essência do que são os Titãs. O contrário do estádio é fazer show em teatro, com as pessoas sentadas. Queríamos mostrar mais uma vez como somos plurais e diversos.
Sergio Britto — É muito bom você poder sair daquilo que está pré-programado e buscar caminhos diferentes. Em nossos 40 e poucos anos de carreira é fundamental para manter a atividade artística viva e um certo frescor.

“A gente exerce uma coisa que o Bob Marley chamava de rebel music, a música de rebeldia, que vai além da questão de protesto” (Crédito:Divulgação )

Os Titãs sempre foram cronistas musicais da época em que estavam. Atualmente, qual é a crônica que vocês escrevem com o Microfonado?
TB — Tem vários elementos nas nossas canções que dão pistas. “Olho Furta-Cor” é sobre essa diversidade, esse momento que enxergamos o mundo como algo de fé, mais aberto. Mas falamos de outras coisas, como a pandemia, o isolamento das pessoas. Têm algumas canções que abordam o tema da polarização. Assim como a preservação do meio ambiente. Algumas são temporais e outras são mais pessoais. Continuamos fazendo a crônica do nosso tempo, talvez não de uma maneira fechada, como no (disco de 1986) Cabeça Dinossauro, mas tratamos de vários assuntos pertinentes para o tempo em que a gente vive.
SB — Acho muito pertinente captarmos instantâneos fotográficos da época que estamos vivendo, mas é interessante quando retomamos um sucesso antigo, como é o caso de “Marvin”. Quando fazemos uma versão dela com o Vitor Kley, não estamos somente repetindo uma crônica, mas dando um formato diferente e falando com novas gerações, como se tivesse sido composta atualmente.

O grupo sempre teve o protesto como combustível. Vocês começaram durante a ditadura, tendo contra o que protestar. Atualmente, o que os motiva a protestar?
TB — Não é só protesto o nosso combustível; tratamos de qualquer assunto. Temos canções de amor, sobre o cotidiano, prosaicas e algumas com a nossa visão de mundo, da sociedade. Muitas dessas canções, inclusive, continuam extremamente atuais. Ainda temos os mesmos motivos e mais alguns para protestar, porque nada mudou tão substancialmente. Fazer isso hoje é mais complexo, porque o que caracterizava a direita e a esquerda ficou mais obscuro e o mundo ficou mais maniqueísta. Portanto, certas questões, não conseguimos mais tratar da maneira como tratávamos. As coisas óbvias não são mais tão óbvias quanto pareciam. Sempre nos preocupamos em não sermos panfletários, nunca fazermos militância em cima do palco. Até porque é pouco eficiente.

O que seria eficiente, então?
SB — Comentamos o que acontece na sociedade, com o nosso olhar, e às vezes o olhar é de dúvida, às vezes é mais uma pergunta do que uma afirmação. A gente não se priva de abordar qualquer assunto, nem em dar nossa opinião. Por mais difícil que isso seja hoje, porque as pessoas só querem ver de que lado você está. Qualquer sutileza, complexidade fica perdida nesse pensamento polarizado. A gente exerce uma coisa que o Bob Marley chamava de rebel music, a música de rebeldia que vai além da questão de protesto. Tem mais a ver com expressar suas dúvidas, suas questões. Nossa primeira opção sempre é a estética e não a panfletária. Quando convidamos o Major RD para cantar junto com a gente Cabeça Dinossauro e inserir um texto na letra, estamos exercendo a nossa rebeldia, no sentido de dar voz para um garoto da nova geração do rap que tão bem exemplifica o que era o rock quando começamos.

Vocês continuam sendo agentes transformadores sociais por meio da arte. Diante do rumo das coisas, vocês enxergam que esse legado vai seguir no Brasil?
TB — Isso continua acontecendo em lugares que não estão sendo exatamente observados nesse sentido. Por exemplo, o Major faz um rap basicamente de protesto, com vocal quase gritado. Ele lançou uma música recentemente e fez um texto dizendo: “Ó, não tem dancinha, não tem TikTok, não tem nada e mesmo assim, alcançou um número gigantesco de visualizações”. Então ele é um jovem de um universo do qual não participo, mas que com certeza tem essa preocupação e está fazendo algo. A mesma coisa você vê em relação aos costumes, à diversidade, como a sociedade vai ficando mais permissível e aberta a muitas coisas que não era. Essa é uma pauta muito atual, é uma reivindicação que tem acontecido e tem aberto espaço para muitas pessoas.

SB — O mundo mudou muito, nesses quarenta e dois anos da nossa carreira. Houve uma transformação radical e também as nossas transformações individuais. Mas ainda temos uma essência do nosso fazer artístico que permanece parecida. Essas questões se colocam para a gente sempre que vamos fazer um novo trabalho ou compor. Talvez o rock tenha perdido um pouco essa capacidade de ser o porta-voz principal da rebeldia, mas o rap exerce isso muito. Eu acho que essa força permanece tanto no nosso trabalho como em muitos artistas. Porque ao mesmo tempo que existe um crescimento do conservadorismo, por outro lado as pessoas também estão se colocando mais.

Vocês começaram em oito, hoje são três, mas o grupo tem um eterno espírito gregário, sempre com convidados, ex-integrantes. Isso é algo que vocês consideram?
SB — No nosso caso é intencional, gostamos e passamos a achar isso uma virtude. Esse lance de ter cinco cantores, diversos compositores na banda, é a nossa grande virtude. Nunca tivemos problema em colocar outras pessoas em destaque. Na MPB, que tem característica de lidar com grandes nomes, a coisa centraliza muito em apenas uma pessoa. Temos essa característica de banda de rock, que é de um lance mais colaborativo. Isso gera muitos frutos, que se perdem se você funcionar de uma maneira mais burocrática. Somos uma banda, isso é muito importante na compreensão do que são os Titãs. Depois que o Arnaldo (Antunes, o primeiro integrante original a sair, em 1992) saiu, esse espírito gregário, coletivo, se impôs de uma forma impressionante. Existem muitas vantagens nessa dissolução de ego que você é obrigado a exercitar quando trabalha em banda.

TB — Até em relação à turnê de encontro, que juntou ex-titãs que lidam com carreiras solos, percebi que eles apreciaram estar de volta na dinâmica de banda, de funcionar coletivamente. Isso foi legal neste Microfonado. Chamamos as pessoas mais diferentes possíveis e elas entram e fazem parte da banda naquele momento, de Ney Matogrosso a Cyz Mendes. Para nós é muito satisfatório.

Vocês mantiveram a banda em alto nível durante todos esses anos, nos 16 álbuns de estúdio. Não vou perguntar por que os outros saíram, mas por que vocês três continuaram como Titãs?
SB — São respostas individuais. No que me diz respeito eu também já tive vários momentos de pensar: “Será que a banda ainda incentiva a minha vida?”. Porque eu componho muito, tenho uma carreira solo paralela e às vezes tenho vontade de dedicar mais tempo a essa parte sozinho. Essa é uma dúvida que sempre tive e minha resposta é de que eu gosto de trabalhar dessa maneira gregária, porque acho que contribui para o meu crescimento e tem certas coisas que são exclusivas de grupo de rock. Existe essa cumplicidade de olhar crítico que você só tem quando faz parte de uma banda e eu ainda não perdi a vontade de trabalhar dessa maneira, então quando ponho as duas coisas na balança, quero as duas. Por esse motivo, fui ficando. O que temos feito me satisfaz, a gente não é uma banda burocrática; talvez se fosse, eu teria saído.

TB — É, eu também me coloco assim. Eu nunca questionei na minha vida não fazer parte da banda. Nunca me imaginei em uma carreira solo nem me imagino até hoje. Eu comecei a tocar guitarra por causa do Jimi Hendrix, que é um nome solo, mas os guitarristas que mais admiro são de banda, como o George Harrison (Beatles). Para mim, fazer parte de uma banda é muito positivo, quando as coisas dão certo, as glórias são divididas igualmente, a gente tem com quem comemorar e dividir, e quando dão errado temos com quem compartilhar. A colaboração é uma coisa fantástica. Eu nem consigo me imaginar em algo que não seja tocar neste grupo.
BRANCO MELLO — É muito bom trabalhar com amigos, é difícil mas é prazeroso — tocar, fazer música é um barato. Não tem porque sair. Eu tive um problema de saúde, de voz, permaneci e adoro continuar com a banda.

“Olho para o Paul McCartney e penso que não tenho o direito de achar que conquistei algo se ele ainda batalha em BH” (Crédito:Kamil Krzaczynski/AFP)

Vocês já conquistaram aparentemente tudo o que vocês poderiam — de Grammy a vendas multimilionárias de discos. O que ainda falta para os Titãs alcançarem?
TB — Acho que não existe essa sensação de que já conquistamos tudo na profissão, este sentimento não me acomete em nenhum momento. Quando fomos fazer o show em Belo Horizonte do Encontro, o Paul McCartney estava no mesmo hotel. De repente vi esse homem passando para ir se apresentar e pensei: “Ele já conquistou tudo, é milionário. Por que ele está em Belo Horizonte para fazer um show?”. Não é porque ele precisa, mas porque ele tem que fazer isso. Minha resposta é essa, eu olho para o Paul e penso que não tenho o direito de achar que conquistei tudo se ele ainda está batalhando em Belo Horizonte.
SB — Para mim, não existe a questão de conquista, mas de ter prazer ou não. A minha prioridade é ter prazer com o que faço, toco e componho. Quando faço uma nova canção e acho que ela está bem feita, isso me dá um prazer que não tenho em quase mais nada na vida. Eu nunca abriria mão disso, por nada na vida. É realmente uma paixão e obsessão que me movem.
BM — A gente gosta, e a gente faz. Por isso que estamos juntos também.