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Entenda por que Alexandre de Moraes é o alvo predileto dos bolsonaristas

Em nova tentativa insana de derrubar Alexandre de Moraes, extremistas fiéis a Bolsonaro na Câmara e no Senado criam crise artificial, mostram ignorância em relação às atribuições do TSE e tentam criar clima para trocar proposta de impeachment do ministro do STJ por anistia ao ex-presidente. A tentativa patética fez água: o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, não a colocará em pauta mesmo se houver assinaturas

Crédito: Joédson Alves

Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF): "O compartilhamento de provas foi oficial e documentado" (Crédito: Joédson Alves)

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Bolsonaristas tentam colar em Alexandre de Moraes comparações aos atos do ex-juiz Sérgio Moro e de procuradores de Curitiba que combinavam ações conjuntas contra alvos da Lava Jato
• A base da denúncia contra Moraes é um conjunto de áudios de conversas entre o juiz auxiliar do gabinete do ministro no STF e o ex-diretor da Assessoria de Enfrentamento à Desinformação do TSE, perito da PF

• A estratégia é pressionar governo e judiciário por um acordo que anistie Bolsonaro e o reabilite para concorrer às eleições de 2026.

Não é a primeira vez que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), vira alvo do desequilíbrio e da falta de seriedade da extrema direita fiel a Jair Bolsonaro. Certamente não será também a última. A diferença é que, agora, o bolsonarismo mobiliza a artilharia em cima de uma crise artificial, um factoide rasteiro baseado em providência regular, pedida a auxiliares, para juntar, nos inquéritos do STF, relatórios de investigações que tramitavam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O esperneio grotesco desconsiderou até mesmo o fato de que Moraes era, à época, presidente do TSE. Tinha poder de polícia para requisitar documentos no TSE. “Seria esquizofrênico me auto-oficiar”, reagiu o ministro à patacoada, como se explicasse algo primário a uma turma de quinta série. E detalhou a ISTOÉ na quinta-feira (15): “STF e TSE agiram estritamente dentro da lei, com respeito ao devido processo legal. O compartilhamento de provas foi oficial e documentado. PGR e as defesas tiveram ciência integral dos documentos”.

“Seria esquizofrênico, como presidente do TSE, me auto-oficiar. Como presidente, tenho poder de polícia e posso, pela lei, determinar a feitura dos relatórios.”
Ministro Alexandre de Moraes, do STF e ex-presidente do TSE

Desde que o site do jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem apontando que o ministro teria agido informalmente, ou “fora do rito” dos dois tribunais, os golpistas que tentaram anular a eleição de 2022 para manter Jair Bolsonaro no poder buscam, de forma vergonhosa, dar um ar de ilegalidade ao caso.

Tudo para colar em Moraes comparações estapafúrdias aos atos praticados pelo ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) e os procuradores do Ministério Público Federal de Curitiba que, em afronta à lei, combinavam ações conjuntas contra os alvos da Operação Lava Jato. A estratégia clara é pressionar o governo e o judiciário por um acordo que resulte em anistia a Bolsonaro e o reabilite para concorrer às eleições de 2026.

A Polícia Federal pediu as prisões de Alan dos Santos (acima) e Oswaldo Eustáquio (abaixo), que vivem fora do Brasil, depois de encontrar indícios sobre uso perfis de adolescentes para driblar os controles e espalhar notícias falsas (Crédito:Marco Ankosqui )
(Marco Ankosqui)

A pretensão não resistiu a uma caminhada até a esquina. Foi logo abortada. Enquanto os senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, colhem assinaturas para forjar a apresentação de um pedido de impeachment, a maioria dos ministros do STF que se manifestaram, o procurador Geral da Repúbica, Paulo Gonet, e juristas independentes não enxergaram qualquer irregularidade nas ações de Alexandre de Moraes.

Ao contrário do que pretendia a direita ao forçar a barra, Moraes ganhou mais apoio à reta final do cerco que deve levar o ex-presidente ao banco dos réus, para responder por uma série de crimes praticados durante o mandato, entre eles tentativa de tomada violenta do poder.

O roteiro delirante do golpe previa, entre outras aberrações, a prisão e o assassinato de Moraes. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também advogado, disse não ver qualquer gravidade nas ações do ministro. E descartou o impeachment, afirmando que não o colocará na pauta ainda que a direita reúna as assinaturas.

O plano começou a fazer água já na quarta-feira (14), quando o ministro, a pedido da Polícia Federal, decretou mais uma vez as prisões dos blogueiros bolsonaristas Alan dos Santos e Oswaldo Eustáquio. Eles vivem, respectivamente, nos Estados Unidos e na Espanha, e se utilizam dos perfis de adolescentes para postar mensagens criminosas de desinformação e ataques às autoridades para embaraçar as investigações.

Seguidores de Bolsonaro no Congresso não veem limite nas tentativas desesperadas de livrar ex-presidente da inelegibilidade e das condenações quase certas por tentativa de golpe e venda de joias da União (Crédito:Marco Ankosqui)

A decisão do ministro alcançou também o senador Marcos Do Val (Podemos-ES), alvo de um mandado de buscas em sua residência, em Vitória (ES), onde teve de entregar o passaporte. Na semana passada, o ministro havia determinado a suspensão da conta do senador no Instagram e o bloqueio de R$ 50 milhões em duas contas bancárias, tudo por se relacionar com os investigados em suspeitas de obstrução da Justiça.

Na avaliação de investigadores, enquanto a teoria de impeachment ficar na alçada dos partidos, a conspiração será tratada como ação política. Mas se implicar em obstrução de Justiça concreta, numa fase em que nenhuma ação penal ainda foi aberta, bolsonaristas e o próprio ex-presidente correm o risco de irem para o xilindró.

Na quarta-feira (14), durante sessão do STF, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, sintetizou numa frase singela a conclusão mais coerente da alegada informalidade no caso: “Na vida às vezes existem tempestades reais e, em outras, as fictícias. Acho que estamos diante de uma dessas últimas”.

A base da espuma de denúncia contra Moraes é um conjunto de áudios de conversas entre o juiz auxiliar do gabinete do ministro no STF, Airton Vieira, e o ex-diretor da Assessoria de Enfrentamento à Desinformação do TSE, Eduardo Tagliaferro, perito da Polícia Federal.

Inquérito das fake news

Na maioria dos casos, o conteúdo envolve pedidos de Moraes para instruir inquéritos das fake news envolvendo Bolsonaro, seus filhos e o grupo que conspirou contra a ordem democrática.
Um dos alvos sobre os quais os dois auxiliares do ministro falam é o jornalista Rodrigo Constantino.
Há também, nos seis gigabytes de diálogos a que o jornal diz ter tido acesso, referência a outros investigados, entre eles o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, e o blogueiro Paulo Figueiredo, neto do último general da ditadura, João Batista Figueiredo.

Fontes ligadas à Polícia Federal contaram à ISTOÉ que suspeitas apontam a origem do vazamento a uma bem engendrada trama do bolsonarismo. Todo o material teria sido obtido a partir do espelhamento da tela do celular de Tagliaferro, afastado do TSE depois de ter sido preso em Candeias, no interior de São Paulo, acusado de violência doméstica contra a esposa em maio de 2023.

O conteúdo retirado na delegacia teria sido encaminhado à cúpula da Polícia Civil paulista, subordinada a Tarcísio de Freitas, o mais importante dos governadores ligados a Bolsonaro. A resposta do perito, ao ser procurado pelos jornalistas, é uma negativa preguiçosa e de uma dubiedade que deixa dúvidas sobre sua isenção: “Cumpria todas as ordens que me eram dadas e não me recordo de ter cometido qualquer ilegalidade”.

(Andressa Anholete/STF)

“As críticas recebidas pelo ministro Alexandre de Moraes fazem parte de uma tempestade fictícia.”
Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF

O monitoramento das redes sociais pela PF teria encontrado fortes diálogos entre grupos bolsonaristas que, sem entrar em detalhes, faziam comentários indicando que denúncias contra o ministro estavam para estourar. As suspeitas apontam que, há tempos, as redes da extrema direita difundiam a tese esdrúxula segundo a qual Moraes vinha agindo como Moro, o que poderia ser usado para produzir uma nova Vaza Jato. E, assim como ocorreu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, libertado após um hacker revelar o jogo combinado entre Moro e os procuradores de Curitiba, Bolsonaro poderia ser beneficiado.

Tudo obra absoluta de fantasia. Não há crime nas ações de Alexandre de Moraes que, com poderes de polícia no STF e na presidência do TSE, não tinha, como disse, a mais remota necessidade de oficiar a ele mesmo pedidos de providência corriqueiros no Judiciário.

O que se viu até aqui mostra apenas ordens legais a subordinados — e mais nada.

O advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, coletivo de juristas e advogados que se debruçou sobre os desvios da Lava Jato, afirma não haver qualquer irregularidade na atuação do ministro e de seus assessores, muito menos semelhança entre um caso e outro. “Comparar esse fato ao acorrido com Sergio Moro e Deltan Dallagnol na Lava Jato é, no mínimo, desonesto. O ministro é atacado por suas virtudes, não por erros, que aqui não ocorreram.”

O perito criminal Eduardo Tagliaferro (à esq.) e o juiz auxiliar do gabinete de Moraes, Airton Vieira, aparecem em diálogos discutindo ordens legais do ministro de buscar documentos para o inquérito das fake news (Crédito:Divulgação )

Joias e gabinete do ódio

Nos círculos do Direito, Moraes é criticado mais pelo que não entrou agora no circuito da extrema direita: o alongamento das investigações sobre fake news abertas em 2019 por decisão do então presidente do STF, Dias Toffoli, que o designou como relator. E ainda o acúmulo de outros casos envolvendo o chamado gabinete do ódio, os inquéritos da fraude no cartão de vacina, a apropriação indevida das joias sauditas e os atos antidemocráticos. Unificados em seu gabinete, cinco anos depois, já poderiam, segundo os críticos, ter sido encerrados.

A estratégia do ministro se revelaria acertada depois que a Polícia Federal esmiuçou os dois meses de tratativas articuladas por Bolsonaro para dar o golpe anulando a eleição. O Advogado Geral da União, Jorge Messias, lembrou: quem reclama do ministro esquece o ocorrido na campanha eleitoral de 2022.

A trama executada nos dois meses seguintes ao resultado da eleição, que previa o uso das forças especiais do Exército para anular a votação e prender o próprio ministro, foi apenas o último de uma série de atos.

Eles envolveram:
ataques às urnas eletrônicas,
tentativa de assassinato de policiais federais pelo ex-deputado Roberto Jefferson,
a deputada Carla Zambelli fora de controle, de pistola em punho, correndo atrás de um manifestante em um bairro chique de São Paulo,
e a Polícia Rodoviária Federal sendo usada para impedir eleitores de Lula de chegarem aos locais de votação.

“O ministro sempre se destacou pelo compromisso com a Justiça e a democracia. Tem atuado com absoluta integridade. Suas decisões contaram com a fundamentação e regularidade próprias de uma conduta honesta, ética e colaborativa”, resume Messias.

A reconstituição do período de Bolsonaro na presidência demonstra que a conduta de Alexandre de Moraes como magistrado foi um dos fatores que inibiram o bolsonarismo e os militares golpistas a promoverem a ruptura do sistema democrático, que correu sério risco nos dois meses posteriores à eleição de 2022.

Como não conseguiu o apoio dos comandantes militares, que assediou insistentemente, Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos um dia antes do encerramento de seu mandato, deixando, inclusive, de cumprir a liturgia de passagem da faixa presidencial a Lula.

“Neste momento, Moraes é acusado de um crime gravíssimo, qual seja, cumprir o seu dever.”
Ministro Flávio Dino, do STF

(Rosinei Coutinho/STF)

Cumprir com o dever

De uma gravidade que só viria à tona com a delação do ex-ajudante de ordens do gabinete presidencial, tenente coronel Mauro Cid, e as revelações do ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da FAB, Carlos de Almeida Batista Júnior, confirmando que a eles foi apresentado inclusive uma minuta do golpe, o plano tinha como alvo principal Moraes, monitorado por agentes das forças especiais para ser preso em São Paulo e depois executado.

Mesmo as forças políticas conservadoras reconhecem que a atuação do ministro contribuiu para frustrar o golpe e, a partir dos ataques do 8 de janeiro, responsabilizar os golpistas.

Irônico, o ministro Flávio Dino afirmou que Moraes é acusado de um crime “gravíssimo”: cumprir com seu dever. “Estamos diante de uma inusitada situação em que se questiona o exercício de ofício do poder de polícia”, disse, referindo-se aos papéis que Moraes exercia ao mesmo tempo, relator do processo no STF e presidente do TSE, quando pediu relatórios para amparar as acusações contra os bolsonaristas. “Confesso que, até aqui, não consegui encontrar em que capítulo, dispositivo ou preceito isso viola nossa ordem jurídica”.

Figueiredo (abaixo, à esq.), Flávio Bolsonaro e Constantino (acima) estão por trás de mensagens golpistas difundidas para alimentar apoiadores. Alegam direito à liberdade de imprensa, mas foram suspensos das redes sociais (Crédito:Divulgação )
(Divulgação)

Não são apenas os ministros do STF que identificam a legalidade dos atos de Moraes.
A avaliação do STF é corroborada pelo procurador Paulo Gonet, que não enxergou irregularidades, acompanha as investigações e foi informado dos atos do ministro. Gonet sabe que, em 2022, as cúpulas da PF e do próprio MPF, pressionadas por Bolsonaro, se encolhiam e, se não boicotavam explicitamente, restringiam a colaboração às investigações. Gonet chegou a destacar que, além da coragem na condução dos atos do judiciário para levar a cabo as medidas contra o bolsonarismo, Moraes agiu “com diligência, assertividade e retidão nas decisões”. O vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), e a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, também manifestaram apoio ao ministro.

O ministro Alexandre de Moraes é alvo preferencial apenas do bolsonarismo e da direta radical do Congresso que gravita em torno do ex-presidente. Desde 2023 a Corte vem enfrentando pesado bombardeio dos conservadores, encabeçados pelas bancadas ruralista, evangélica e da bala, que respondem as decisões judiciais com projetos de lei ou PECs em sentido contrário. Sempre com o objetivo de estressar as relações políticas para tentar livrar Bolsonaro. Esses grupos querem restringir a atuação do STF. Falam em estabelecer mandados, queixam-se de interferência do Judiciário no Legislativo e não escondem que, na sucessão ao Senado, no ano que vem, vão apoiar o candidato que prometer colocar na pauta impeachment de ministros do STF.

Do Val teve de entregar passaporte à PF e, acusado de embaraçar investigações, sofreu bloqueio de R$ 50 milhões (Crédito:Marcos Oliveira)

Gilmar Mendes, decano do STF, esclarece o que está por trás dos ataques. “A censura que tem sido dirigida ao ministro Alexandre de Moraes, na sua grande maioria, parte de setores que buscam enfraquecer a atuação do Judiciário e, em última análise, fragilizar o próprio Estado Democrático de Direito.”

A falta de compromisso desses radicais de direita com o País arranha a irresponsabilidade e não tem nem mais disfarce.