Entre favelas e arranha-céus
Por Laira Vieira
No denso tecido urbano do Rio de Janeiro contemporâneo, onde arranha-céus se erguem como sentinelas e favelas se entrelaçam com bairros de classe média-alta, emerge o filme O Silêncio da Chuva (2021), dirigido por Daniel Filho (A Partilha, Boca de Ouro), que é uma ótima adaptação literária, mas que não escapa de alguns clichês do gênero do suspense policial.
Baseado no livro homônimo escrito por Luiz Alfredo Garcia-Roza, no centro da narrativa está o solitário detetive Espinosa (Lázaro Ramos), cuja investigação meticulosa sobre o assassinato de um empresário revela camadas profundas de intrigas e um emaranhado de segredos, ambientados em um Rio de Janeiro quase noir.
O protagonista se vê imerso em um labirinto de relações e interesses que oscilam entre o poder e a vulnerabilidade. As fortes personagens femininas, como Beatriz (Cláudia Abreu), a viúva do empresário assassinado; Rose (Mayana Neiva), a amante dele; e Daia (Thalita Carauta), a parceira de Espinosa, não só adicionam complexidade à trama como também lançam luz sobre questões de gênero e poder que reverberam além da tela.
Elas são complexas, e cada uma enfrenta a misoginia de formas diferentes, o que dá textura ao enredo.
Como disse Baruch Espinosa: “Tudo pode ser causa de prazer, dor ou desejo.” E essa citação espelha o processo de investigação do detetive que busca não só desvendar o assassinato, mas as relações interpessoais e as decisões éticas de seus suspeitos. Cada interação possui subtexto, cada olhar lança dúvidas sobre as verdadeiras intenções por trás das palavras.
À medida que o detetive desvenda a teia de mentiras e manipulações que cercam o caso, somos confrontados com a pergunta inevitável: até que ponto estamos dispostos a ir para manter nossos ideais intactos em um mundo de aparências, onde o dinheiro fala mais alto? A obra não é apenas um exercício de investigação, é uma exploração da condição humana, das tensões sociais e das sombras que habitam os recantos da mentalidade humana.
Daniel Filho entrega um longa-metragem que desafia e provoca, deixando o público imerso em reflexões sobre ética, justiça e o preço da verdade. No desfecho – com cenas violentas – quando o último véu é levantado e a verdade se revela em toda a sua crueldade, somos lembrados que a justiça nem sempre é cega e nem sempre é resolvida nos tribunais.
O Silêncio da Chuva não é apenas um filme para ser assistido, é uma experiência para ser vivida, uma provocação para pensarmos mais profundamente sobre as complexidades morais que moldam nossas vidas, e principalmente sobre as astutas personagens femininas que driblam a misoginia e são as verdadeiras heroínas do filme – assim como as mulheres na vida real.