Internacional

As loucuras do sandinista Ortega

Em nova atitude impulsiva, Daniel Ortega, ex-esquerdista que se tornou autocrata e faz da Nicarágua seu parque de diversões, expulsa embaixador brasileiro e cria dor de cabeça para Lula na América Latina

Crédito: Jairo Cajina

Antes incensado pelas esquerdas, Ortega (à frente) rendeu-se a caprichos próprios de ditadores (Crédito: Jairo Cajina)

Por Eduardo Marini

Os regimes autocráticos da Nicarágua e Venezuela, liderados a punho de ferro por Daniel Ortega e Nicolás Maduro, possuem vários pontos em comum. O principal está ligado ao Brasil. Pouco rebeldes em outros tempos, ambos dão hoje trabalho e dor de cabeça ao presidente Lula e ao Itamaraty. Mas, na fome desmedida de manter o poder a qualquer custo, o sandinista Ortega parece ainda mais impulsivo e descontrolado do que o irmão camarada chavista Maduro. Após uma sequência de ações internas violentas, outras desafiadoras na seara internacional e sem aviso prévio ao Planalto, ele ordenou a expulsão diplomática do embaixador brasileiro Breno Dias da Costa.

“O dado concreto é que Ortega não me atendeu. Não quis falar comigo.”
Presidente Lula, após ligação em que tentaria convencer o sandinista a soltar religiosos a pedido do papa

A medida seria retaliação ao fato de o Brasil não ter enviado representantes à cerimônia de 45 anos da Revolução Sandinista, em julho.

Mas o buraco é mais embaixo.
Em 1979, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), liderada, entre outros, pelo atual presidente, derrubou o ditador Anastasio Somoza, encerrando uma ditadura de extrema direita em vigor desde 1936.
Na primeira fase do governo, entre 1979 e 1990, quando perdeu as eleições, o sandinista teve suporte da esquerda mundial e relacionamento estreito com Lula e o PT.
Mas a partir do retorno ao poder, em 2007, apresentou-se como um autocrata irreconhecível para os que o apoiaram no início, até com certa dose de romantismo.

Igreja Católica era aliada de outrora. Agora, o sandinista manda prender bispos como Alvarez (Crédito:Divulgação )

Transformação

Ortega reelegeu-se em 2011, 2016 e 2021, na terceira vez com rejeição de resultados, prisão e perseguição de opositores, repressões sociais, ataques ferozes a bispos e padres da outrora aliada Igreja Católica e a instituições políticas.

A primeira-dama, a escritora e poeta Rosario Murillo, é também vice-presidente desde 2016. As últimas eleições foram ignoradas por 81,5% dos eleitores, segundo avaliações nacionais.

“Embora eleitos, os últimos governos de Ortega são marcados por medidas autocráticas incompatíveis com a democracia”, resume o doutor em História Social e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni. “O Brasil deve chegar ao ponto de romper, mas a Nicarágua precisa se colocar de maneira mais aberta no cenário internacional e restaurar a plenitude democrática. Mas não devem ser tomados como exceção no continente. Países na mão da extrema- direita são preocupantes”, radiografa.

A temperatura começou a subir em abril, após uma visita de Lula ao Vaticano. O presidente prometeu ao papa Francisco agir para convencer Ortega a tirar da prisão o bispo católico Rolando Alvarez e padres. Tentou cumprir a promessa, mas o nicaraguense se recusou a pegar o telefone do outro lado da linha. “O dado concreto é que Ortega não me atendeu. Não quis falar comigo”, admitiu.

Embaixadora Fulvia (à esq.) deixou Brasília antes da expulsão do brasileiro (Crédito:Divulgação )

Contrariado, Lula determinou o congelamento, por um ano, das relações com Manágua. Ortega passou a esperar uma desculpa, ainda que pouco convincente, para desferir o contragolpe — e ela veio na ausência dos festejos de julho. A prova do caso pensado foi a retirada de Brasília da embaixadora nicaraguense, Fulvia Castro, na madrugada anterior ao anúncio da expulsão de Dias da Costa. Quando o governo anunciou a expulsão de Fulvia pelo princípio da reciprocidade, ela estava fora do País há bom tempo. Livre do constrangimento, Ortega mandou anunciar o prêmio da embaixadora: o ministério da Economia Popular.

“O congelamento, tecnicamente, possui efeito mais em encontros. Não afeta o comércio. Foi uma forma de sinalizar à Nicarágua e até à Venezuela que o Brasil deseja defender a democracia em termos amplos”, explica Pedro Feliu, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. “A expulsão é passo mais grave, mas ainda não significa final das relações. Ortega toma atitudes enérgicas porque depende mais de Venezuela, Bolívia, Cuba e China do que do Brasil.”

Lula gostaria de resolver tudo no consenso mas, se a temperatura continuar a subir, poderá não restar, como próximo passo, nada além do rompimento definitivo.

Expulsão de Dias da Costa teria sido resposta à ausência brasileira em festejo sandinista (Crédito:Edilson Rodrigues)