A extrema direita estraga até Paris
Por Felipe Machado
Tem gente que acha bobagem, mas acredito que poucas coisas são tão espetaculares como uma Olimpíada. O mundo inteiro se reúne para disputar, de maneira pacífica, quem é o melhor. Não é pouca coisa.
É difícil ver toda essa agitação e não lembrar da minha cobertura dos Jogos de Pequim, em 2008, quando passei um mês viajando pela China. Tive a oportunidade de presenciar disputas históricas. No tênis, vi Roger Federer, Rafael Nadal e Serena Williams. No atletismo, assisti à lenda Usain Bolt bater o recorde mundial e fazer o “raio” com os braços. Nos esportes coletivos, estava no estádio quando o Brasil perdeu de 3 a 0 da Argentina de Messi no futebol. Mas também vi da arquibancada quando o Dream Team de basquete dos EUA massacrou a seleção chinesa — e eu sentado pertinho do presidente George Bush. E a final de tênis de mesa entre dois chineses? Foi barulhenta como a final de uma Copa do Mundo de futebol.
A festa na China não foi feita apenas para o mundo reconhecer a potência emergente, mas para permitir ao povo aplaudir a sua própria história. Foram bem-sucedidos: não era raro ver os chineses se abraçando no meio da rua, diante dos telões em praça pública. Era uma alegria tão sincera que imaginei que o slogan daquela edição, “um mundo, um sonho”, era algo possível.
Paris entra para a história. A começar pela cerimônia de abertura: a beleza de uma sede nunca foi exibida de maneira tão incrível — até porque estamos falando da cidade mais linda do mundo. Pela primeira vez, a festa saiu do estádio, com ingressos caríssimos, e foi para as ruas, onde pode ser vista, de forma democrática, por todos os cidadãos.
O diretor da Olimpíada se inspirou em A Festa dos Deuses, obra do italiano Giovanni Bellini. Mas a referência é sofisticada demais para essa turma
É claro que a extrema direita tinha que criar problema. Essa gente odeia tudo que é belo e humano. Espalharam que a organização fez sátira à Santa Ceia porque odeiam os LGBTQIA+. O diretor criativo Thomas Jolly até explicou que fez “uma grande festa pagã ligada aos deuses do Olimpo”, mas a referência é sofisticada demais para os radicais das redes sociais. A inspiração veio do quadro A Festa dos Deuses, obra do renascentista italiano Giovanni Bellini. Essa turma não sabe sequer o que foi o Renascimento.
Minha cena favorita foi a das atletas americanas Simone Biles e Jordan Chiles reverenciando a nossa genial Rebeca Andrade. Prova que a Olimpíada desperta belos sentimentos nos verdadeiros heróis olímpicos. Biles, a maior de todos os tempos, provou que até as deusas do esporte podem ser humildes. Uma lição que serve para todos nós e até para os radicais da extrema direita, que acham que sabem tudo — e não sabem nada.