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“Não queremos protecionismo, mas equidade”, diz Fernando Pimentel, da Abit

Crédito: Rogério Albuquerque

“Há muito mais do que blusinhas a ser defendido de uma descabida desigualdade tributária e regulatória”, diz Fernando Pimentel, da Abit (Crédito: Rogério Albuquerque)

Por Mirela Luiz

O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, é um dos incansáveis porta-vozes do setor na luta pela equidade tributária. Em entrevista à ISTOÉ, abordou os desafios enfrentados por esse segmento diante das condições desiguais de concorrência com empresas estrangeiras. Ressaltou que a indústria brasileira tem enfrentado dificuldades significativas devido às importações, especialmente aquelas provenientes da China, que representam mais de 50% do que o País importa nesse mercado, destacando que, em 2023, cerca de 25% do setor de vestuário foi abastecido por importações, o que evidencia a necessidade de estimular o consumo interno e fortalecer a competitividade da indústria nacional. Para ele, a aprovação da taxação do imposto para importações de até US$ 50, conforme projeto sancionado pelo presidente Lula, sob protesto do setor, é um passo importante, mas ainda não resolve completamente o problema, pois, para o empresário, é necessário avançar ainda mais na busca pela igualdade tributária. “Há muito mais do que blusinhas a ser defendido de uma descabida desigualdade tributária e regulatória”, segundo ele, que destaca a importância da transparência nos dados e a atuação dos órgãos responsáveis pelo comércio internacional nesse processo que afeta milhares de empresas brasileiras.

Qual é a situação da indústria têxtil e de confecção no Brasil em relação à concorrência internacional?
Será preciso que o consumo interno cresça e que ele seja, digamos, atendido pela indústria brasileira, que está sendo muito machucada pelas condições desiguais de concorrência, seja pelas plataformas digitais, que é um fenômeno mais recente, seja pela concorrência mais tradicional das importações feitas pelo regime geral, que pagam impostos de importação e que é diferente das plataformas, mas que advém de países com custos diferentes dos nossos. Eles possuem legislações diferentes das nossas, que, além de tudo, tem o custo Brasil, que nos prejudica enormemente. Majoritariamente, essas importações vêm da Ásia, com destaque para a China, que representam mais de 50% de tudo o que o Brasil importa no nosso setor e que gira em torno de US$ 5,8 bilhões a US$ 6 bilhões por ano, numa contrapartida para exportações da ordem de apenas US$1 bilhão por ano. No ano passado, a nossa estimativa é que cerca de 25% do mercado do vestuário tenha sido abastecido por importados.

Como foi recebida a aprovação da taxação do imposto para importação de até US$ 50?
Não se trata, em nenhum momento, de sermos contra qualquer tipo de operação ou que venhamos a ficar contra a modernidade ou novas tecnologias, mas sim pela igualdade tributária e regulatória que também têm o papel muito importante nessa questão. É fundamental destacar que essa busca pela igualdade tributária não tem relação com protecionismo, mas sim com a equidade. Precisamos ter transparência nos dados e incorporá-los às estatísticas do comércio exterior do País. Além disso, é importante que os órgãos responsáveis pelo comércio internacional atuem também nas importações de pequenas encomendas, verificando se os produtos foram feitos com matérias-primas adequadas e se a etiquetagem está correta. Esse assunto está ganhando uma proporção mundial. Temos conversado com os nossos pares nos Estados Unidos, na Europa e nos países da América do Sul e todos concordam que o grande desafio é conseguir o equilíbrio diante dessa realidade que aí está. Se você tem uma plataforma que produz na Ásia ou na China, por exemplo, e que não têm nenhum acordo comercial conosco, essa entrada no País, que existia sem pagar os impostos, era como se tivéssemos feito um acordo comercial sem negociar nada e continuarmos em desvantagem em relação a uma importação convencional. De qualquer maneira, é bem-vindo e mostra que as plataformas se ajustaram e vão cumprir aquilo que foi estabelecido agora pelo Congresso a partir do último dia 1º de agosto.

A Abit se mostrou insatisfeita com o texto da Reforma Tributária. O que frustrou a expectativa do setor?
Não foi descontentamento. Acho que os pilares colocados até agora foram bons. A não cumulatividade, não taxar investimentos, recolher gradualmente os impostos no destino, reduzir as confusas legislações de ICMS em todo o País. Reduzir toda essa guerra fiscal que acaba criando uma situação inusitada dentro do nosso território geográfico, que mais parece que quando vai se vender para outro estado está se vendendo para outro país. Então, todos os pilares até agora estão preservados. Quanto ao IVA, isso não está tão positivo assim. Estamos caminhando para termos o IVA mais alto do mundo, até mesmo maior do que o da Hungria, que é de 27%. Temos que tomar muito cuidado com os desdobramentos, com as posições de setores que ficaram mais prejudicados. Quanto mais exceções nós tivermos, maior será o imposto e menos impacto a Reforma Tributária terá no desenvolvimento do País. É importante que os pilares sejam preservados, mas poderia ser melhor. Vamos tentar corrigir no Senado aquilo que a gente entende mais adequado e tomar cuidado com esse Imposto do Pecado, para que ele não taxe matérias-primas que acabem gerando efeitos de cumulatividade. De qualquer forma, eu diria que a indústria continua vendo a reforma com olhar positivo, mas muito atenta aos seus desdobramentos.

“Somos favoráveis à desoneração, conforme acordo firmado com o Haddad aprovado pelo Congresso; então, que acabemos com essa insegurança jurídica que nos incomoda tanto” (Crédito:Charles Sholl)

O governo tem falado em reindustrializar o País. Está no caminho certo?
Prefiro falar da indústria! É importante ter um ambiente legal, estável e previsível, com flexibilidade suficiente para permitir o crescimento e o uso eficiente do capital. Nesse sentido, é necessário combinar a política fiscal com a política monetária, de forma a criar um ambiente propício para investimentos sustentáveis. A indústria é fundamental para o desenvolvimento econômico, mas é importante que ela cumpra os pré-requisitos necessários para se manter sustentável e atrativa para investimentos. Além disso, o custo do capital no Brasil ainda é alto, o que impacta negativamente nos investimentos. Reduzir os juros de forma abrupta pode não ser a solução, pois isso pode gerar consequências no longo prazo, como a inflação que já tivemos no passado. Para que o Brasil possa ter um custo de capital adequado para os investimentos, é importante trabalhar em um conjunto de medidas estruturais que estabeleçam taxas de juros civilizadas. Atualmente, estamos lidando com taxas reais próximas a 6,5% ou 7%, enquanto o País precisa ter no máximo 3% ao ano de juros reais para garantir um custo de capital adequado.

O ministro Vital do Rêgo, do TCU, afirmou que a desoneração da folha de pagamento deixou de cumprir com seus objetivos e o ministro Haddad diz que a proposta é inconstitucional, já que não conseguiu gerar tantos empregos quanto o esperado. Como o setor têxtil vê essa discussão?
Quando esse modelo foi criado, ficou estabelecido um Cofins sobre a importação dos bens dos setores que estavam recolhendo impostos pelo faturamento. Fala-se em desoneração, mas na verdade você paga pelo faturamento. O fato é que, posteriormente, ocorreram alterações nos percentuais. Enfim, esse é um assunto que começou a ser tratado no início de 2023, por volta de março, foi concluído no apagar das luzes de 2023. Ressuscitou antes do revéllion e estamos aí, com esse assunto tramitando pra lá e pra cá. Vem veto, volta para o Congresso e acaba no Supremo. Isso para mim chama-se insegurança jurídica, porque muitas pessoas trabalham e dependem dessa decisão para terem seus empregos garantidos. Nós somos favoráveis à medida acordada posteriormente com o ministro da Fazenda, ou seja, uma reoneração já a partir de 2025 por um sistema híbrido e que acabe em 2027. O próprio vice-presidente Geraldo Alckmin já disse que temos que tratar de melhorar a estrutura de custo do trabalho formal no Brasil para fortalecer a formalização. Concluindo: somos favoráveis à desoneração, ao acordo firmado com o Haddad e que depois foi aprovado pelo Congresso. Então, que acabemos com essa insegurança jurídica que nos incomoda tanto.

Qual é a necessidade da indústria para que o País avance em relação aos acordos globais?
Estamos em uma época bem diferente daquela em que os grandes acordos foram fechados. Agora, o Brasil precisa avançar na sua integração global e fazer acordos conforme seus interesses. Somos favoráveis à conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que é o acordo mais abrangente que poderíamos ter e que já vem sendo negociado há mais de 20 anos. É fácil? Não. Agora teve eleição do Parlamento Europeu, etc., mas o fato é que estamos com o Brasil em desvantagem, porque, fora o Mercosul e alguns poucos outros acordos, não temos nada que nos dê acesso a mercados mais desenvolvidos. Sem avanço em acordos com blocos maiores, ficamos restritos ao Mercosul, que tem países meio cíclicos, como nós. O ideal seria participar de cadeias de acordos com outros países que têm, por exemplo, o Canadá, os Estados Unidos e o México. Temos um potencial grande, mas pagamos tarifas maiores do que os Estados Unidos e a Europa. Enquanto isso, ficamos isolados aqui na América do Sul, ao mesmo passo em que países asiáticos atacam o mercado mundial com sua grande capacidade produtiva e com legislações e regulamentos diferentes dos nossos. Nossa capacidade ofensiva é reduzida devido ao alto custo do Brasil e às barreiras internas.

“O próprio vice-presidente Geraldo Alckmin já falou que temos que tratar de melhorar a estrutura de custo do trabalho formal no Brasil para fortalecer a formalização” (Crédito:Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

As catástrofes climáticas como as que aconteceram no Rio Grande do Sul interferem no setor têxtil?
Não é só mais uma crise climática. Na realidade, é uma crise humana. O clima reage às nossas ações. Mas, falando no setor industrial existe a agenda do meio ambiente, a agenda da descarbonização, dos produtos recicláveis. Quer dizer, nós temos oito pilares a serem trabalhados para contribuir um pouco com a mitigação dessa crise. Então, você tem a rastreabilidade, combate às mudanças climáticas com muita ênfase na questão da agenda da descarbonização, uso de matérias-primas cada vez mais renováveis, sustentáveis e recicláveis, dentro do que prevê a economia circular. Isso tudo é bonito no enunciado, mas muito difícil de fazer na prática. Tem a indústria 4.0, a tecnologia na lei para melhorar o ambiente de trabalho seguro, respeitoso e com salários dignos. Esses são oito pilares que têm norteado essa agenda. Temos possibilidades amplas de sermos atores relevantes e sermos uma referência nessa agenda. Enfim, não temos só uma bala de prata.