Cultura

Einstein nos trópicos: diários de viagem expõem opiniões polêmicas do cientista

Diários da viagem do físico alemão à América do Sul revelam elogios às paisagens naturais e comentários preconceituosos sobre os anfitriões

Crédito: Cortesia do archivo general de La Nación, Buenos Aires;  cortesia do fundo observatório nacional/arquivo de história da ciência do Museu de astronomia e ciências afins (MAST)

Albert Einstein: elogios ao trabalho de Cândido Rondon junto aos indígenas (Crédito: Cortesia do archivo general de La Nación, Buenos Aires; cortesia do fundo observatório nacional/arquivo de história da ciência do Museu de astronomia e ciências afins (MAST))

Por Felipe Machado

Há quase cem anos a América do Sul recebia a visita de um célebre viajante. Albert Einstein, o renomado físico e autor da Teoria da Relatividade, desembarcou no continente em 1925, passando pela Argentina, Uruguai e Brasil. Sua jornada, a convite da comunidade científica e de associações judaicas locais, ofereceu uma oportunidade única para um dos maiores cientistas da história conhecer novas culturas e paisagens. Seus diários de viagem, porém, revelam um lado menos conhecido do gênio alemão — a personalidade polêmica e preconceituosa.

Organizado pelo pesquisador Ze’ev Rosenkranz, Os Diários de Viagem de Albert Einstein — América do Sul, 1925 (Record) registram as impressões sobre os locais visitados e as pessoas que encontrou. As reações foram variadas.
Na Argentina, não escondeu o desdém pela população local, descrevendo-a como “gentalha repulsiva”.
Em contrapartida, demonstrou admiração pelos uruguaios, elogiando a atmosfera acolhedora de Montevidéu.
No Brasil, apesar de expressar certo encanto pelas paisagens do Rio de Janeiro e as vistas deslumbrantes da cidade, fez comentários racistas e referiu-se aos brasileiros de forma depreciativa.

Esse lado controverso do cientista é evidenciado em episódios como o encontro com Aloysio de Castro, chefe da Faculdade de Medicina, descrito por Einstein como “um macaco”. Esses relatos revelam o lado desconhecido de uma figura que, embora revolucionária em sua contribuição para a física, refletia os preconceitos de sua época.

O físico no Observatório Nacional: longos discursos e excessiva adulação (Crédito:Cortesia do archivo general de La Nación, Buenos Aires; cortesia do fundo observatório nacional/arquivo de história da ciência do Museu de astronomia e ciências afins (MAST))

“Nada interessante”

Além das anotações diárias, o livro traz uma sequência de cartas e cartões-postais escritos durante a viagem. Há uma boa diferença entre o que ele escreve em seus cadernos, de forma íntima, e a correspondência enviada aos amigos europeus. Sem antecipar que os textos pessoais seriam lidos por terceiros, capricha na ironia e nas expressões agressivas. Nas mensagens aos amigos, o tom é outro, mais agradável.

Ao presidente do comitê do prêmio Nobel, na Noruega, rasga elogios ao trabalho de Cândido Rondon: “Tomo a liberdade de chamar sua atenção para as atividades do general Rondon, no Rio de Janeiro, porque durante minha visita ao Brasil, cheguei à conclusão de que esse homem seria altamente digno do Prêmio Nobel da Paz. Sua obra consiste na incorporação das tribos indígenas à humanidade civilizada sem o uso de armas ou de coerção de qualquer natureza”.

Já para a amiga Michele Besso, demonstra desprezo pela experiência: “Foi muita agitação, sem nada de realmente interessante. Mas ao menos tive algumas semanas de paz e quietude durante a viagem marítima”.

“Aqui sou uma espécie de elefante branco para eles, e eles são macacos para mim.”
Albert Einstein, em crítica aos brasileiros que o recepcionaram durante a visita ao País

Einstein abusa dos termos racistas em relação aos brasileiros: “Aqui sou uma espécie de elefante branco para eles, e eles são macacos para mim. À noite, nu e sozinho em meu quarto do hotel, aproveito a vista da baía, com incontáveis ilhas rochosas, verdes e parcialmente desnudas, ao luar”. Para o cientista, a atitude local é influenciada pelo clima. “Todos me dão a impressão de terem sido amolecidos pelos trópicos. O europeu precisa de um estímulo metabólico mais intenso do que essa atmosfera eternamente mormacenta tem a oferecer. De que valem a beleza e a riqueza naturais nesse contexto?”, indaga.

• Os diários são acompanhados de fac-símiles das páginas originais e uma rica seleção de materiais suplementares, como documentos e discursos.
• Os textos adicionais ajudam a contextualizar a visita e a compreender melhor as circunstâncias e motivações de Einstein.
• A viagem, que deveria ser uma espécie de fuga da crise na Europa, acabou sendo uma experiência intensa para o físico, marcada por uma agenda exaustiva de palestras e pela animação exagerada das multidões locais.
Oferece não apenas um registro histórico valioso, mas um convite à reflexão sobre as contradições humanas, mesmo por parte de um de seus maiores cientistas. Revela também que nem os maiores gênios estão imunes a falhas e preconceitos.