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Eleições: alianças bizarras são montadas de norte a sul do Brasil

Totalmente opostos em âmbito nacional, PT e PL correm para desfazer arranjos locais que criam uniões improváveis entre partidos de extrema-esquerda e extrema-direita, obrigando, em alguns casos, a uma intervenção direta de diretórios nacionais e estaduais

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Bolsonaro reclama de alianças “estranhas” do PL e repreendeu Hélio Negão Lopes, diante de rumores de que o amigo apoiaria candidatos ligados à esquerda em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (Crédito: Divulgação )

Por Marcelo Moreira

A realidade é implacável e não há polarização capaz de superá-la. Essa é a impressão de alguns observadores políticos ao constatarem um fenômeno eleitoral que existe desde sempre no Brasil, mas que ganhou proporções surpreendentes em 2024: petistas e bolsonaristas de mãos dadas nos palanques e nas urnas em algumas cidades. “Não existe empecilho para que os extremos se encontrem quando líderes regionais decidem que é o caso de se unir”, debochou um vereador paulistano ao saber que o PL foi obrigado a emitir, em nível nacional, uma determinação proibindo diretórios estaduais e municiais de apoiar ou se unir a qualquer partido ou candidato de esquerda.

Essa peculiaridade eleitoral brasileira está incomodando também o PT neste ano, coisa que foi relevada em eleições municiais anteriores. A proximidade com partidos mais extremistas de direita e com bolsonaristas está levando os diretórios petistas a intervir diretamente para desfazer acordos e apoios locais.

Foi o que aconteceu em Ingá (PB), onde o PT local acenava com o apoio ao candidato do PL – Jan de Manoel da Lenha, o curioso candidato do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro que adora fazer o L de Lula com as mãos. O diretório estadual petista dinamitou a aproximação.

PT de Gleisi Hoffmann chancelou alguns acordos com candidatos de direita que apoiaram Lula. O PL veta aliança com a esquerda, mas algumas definições de Costa Neto contrariaram Bolsonaro (Crédito:Joédson Alves/Agência Brasil)
(Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Em Francisco Morato, na Grande São Paulo, os dois partidos ensaiaram subir no mesmo palanque, mas a iniciativa está congelada até o momento. O vice-prefeito Ildo Galvão (Republicanos) é eleitor declarado de Jair Bolsonaro, pastor evangélico publicamente apoiado pelo governador do estado, Tarcísio de Freitas, do mesmo partido e nome forte da extrema-direita. Para vice de Galvão foi escolhido Chicão Bernabé, presidente municipal do PT, em arranjo aprovado pelos diretórios estadual e nacional do partido. As reclamações foram tantas que, no momento, o acordo está suspenso, mas não cancelado.

Nas capitais, chama a atenção São Luís (MA). O PL está resistindo à pressão para retirar o apoio ao candidato do PSB Duarte Júnior, bem colocado nas pesquisas de intenção de votos. Ele escolheu para vice a petista Isabelle Passinho. Essa e outras alianças bizarras enfureceram Bolsonaro, que foi às redes sociais para reclamar. “O meu acordo, tudo o que eu acertei lá atrás com o presidente do partido, o Valdemar (Costa Neto, dirigente nacional do PL), está sendo cumprido. Agora, o que acontece? Nós vamos ter mais de dois mil candidatos a prefeito pelo Brasil e também centenas de candidatos a vereador. Em alguns municípios estão aparecendo agora, como se estivessem escondidas, o PL se coligando com partidos como o PT, PCdoB e PSOL. Isso contraria nossas diretrizes políticas.”

Bolsonaro reclama

A bronca de Bolsonaro vai além e mira amigos e companheiros de partido. Fez chegar ao deputado federal Helio Lopes (PL-RJ), o Hélio Negão, que não toleraria apoio a Rogério Lisboa (PP) para prefeito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Lisboa é acusado de ser próximo ao PT e de ter apoiado petistas em eleições passadas. Também está contrariado com algumas posturas de Costa Neto, o presidente nacional do PL. Os dois buscam protagonismo na definição das alianças do partido no País e o ex-presidente aumenta o tom das queixas por conta de alguns acordos. Há tempos Costa Neto diz que Bolsonaro é o maior nome do partido, mas que a executiva nacional é que define a estratégia partidária nas eleições.

No PT, o partido tem de conciliar a indignação diante de certas alianças com a decisão tomada no ano passado pela Executiva Nacional: por 29 votos a 27, onde definiram que não vetariam alianças com partidos de direita nas eleições municiais desde que o candidato, de alguma forma, tenha apoiado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em algum momento.

Na época, a presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffmann, garantiu que a diretriz seria seguida. É o caso, por exemplo, de Patos de Minas (MG), com o apoio a José Eustáquio (União Brasil), Luziânia (GO), com Diego Sorgato (União Brasil), Maracanaú (CE), com Roberto Pessoa (União Brasil), e Águas Lindas de Goiás (GO), com Francisco Ribeiro (PSDB).

Mesmo com os casos extremos de união entre partidos totalmente opostos, cientistas políticos enxergam o mesmo padrão de sempre na eleições municipais: os arranjos locais têm mais peso do que “diretrizes” nacionais, evidenciando que, na prática, os partidos políticos não têm tanta representatividade nas cidades menores e nos rincões. “Os partidos brasileiros não são nacionais, de verdade, e as realidades locais se sobrepõem a interesses mais amplos e ideológicos. O pragmatismo tem muita força e permite espaço para uma série de acordos”, diz Marco Antonio Teixeira, professor da FGV-SP.

Elias Tavares analisa da mesma forma, enxergando um distanciamento dos discursos e demandas locais das orientações das agremiações políticas. “O conteúdo programático perde peso para as demandas mais urgentes do cotidiano. Por conta disso, não há grandes diferenças entre os candidatos a prefeito e a vereador. No passado já vimos alianças entre PT e PSDB em muitos lugares. Na eleição municipal, a rivalidade é muito mais política do que ideológica.”

Em resumo: na realidade da maioria suprema dos municípios brasileiros, o que vale mesmo são as conveniências locais.