Tempo de desistir
Por Rachel Sheherazade
As eleições americanas estavam de tirar o fôlego. O enredo era digno de um reality show: trocas de acusações em nível subterrâneo, debates infantilóides, condenação judicial e até atentados auriculares.
Aliás, o tiroteio que vitimou duas pessoas e danificou a ponta da orelha do candidato republicano veio bem a calhar na narrativa eleitoral. Um atentado é sempre um excelente cabo eleitoral, podendo até decidir um pleito, como aconteceu no Brasil de 2018.
Um furo na barriga ou um arranhão na orelha podem fazer milagres. O respeitável público e também o eleitorado não resistem ao apelo de uma vítima — com ou sem aspas.
Na corrida americana, o veterano Joe Biden corria contra o tempo para reverter as intenções de votos dos compatriotas — contrários ao democrata.
Debilitado física e mentalmente, ele desistiu da reeleição, mesmo porque correligionários e doadores de campanha defendiam sua desistência.
Até o ex-presidente Barack Obama, amigo pessoal de Biden, já o aconselhara a pensar num substituto. Kamala Harris! Já passou da hora de os americanos elegerem a primeira mulher presidente.
Alguns democratas achavam que perderiam tempo e votos caso admitissem um novo candidato. Outros acreditam que Biden não venceria o opositor da extrema direita, e que seu tempo na política já passou.
Há quem veja um tom de etarismo no discurso dos críticos de Biden, ao alegarem que, aos 81 anos, ele não teria mais capacidade mental de conduzir os EUA. Biden tem mostrado pouca vitalidade e acuidade mental comprometida, como visto durante o debate com Donald Trump na CNN. Trump não é muito mais jovem que o democrata. Mas, aos 78 anos, vem demonstrando vigor superior ao de seu ex-concorrente.
E a questão que trago é: na política, qual o momento do fim? Quando é hora de se aposentar e sair de cena? Diz o Eclesiastes que há tempo para tudo debaixo do sol. Acredito que o ensinamento também vale para a política.
Um amigo costumava me falar que a morte existe para que todos tenham oportunidade de viver. É preciso ter sabedoria para decidir quando é hora de parar. Ou mesmo de mudar: de profissão, de cidade, de opinião…
Abrir espaço para o novo é o que nos faz ir adiante. Pois a vida é tal uma corrida de revezamento, em que um percorre um espaço e entrega o bastão ao seguinte para continuar a jornada. De Sócrates a Nietzsche, de Pitágoras a Hawking… o conhecimento sempre evoluiu com o novo.
É preciso que surjam novas ideias, novos cientistas, novos políticos… um novo olhar sobre o velho descortina possibilidades que antes não eram percebidas.
Principalmente na política, é preciso que antigas alianças se desfaçam, os políticos veteranos se aposentem e isso nada tem a ver com idade.