Internacional

Suspeita de fraude

Maduro diz ter vencido eleição na Venezuela e toma posse na correria para terceiro mandato, mas apenas ele, seus seguidores e apaniguados parecem acreditar nisso. Brasil adota cautela: quer antes conferir atas eleitorais para decidir sobre reconhecimento

Crédito: Yuri Cortez

Policial joga bomba de gás lacrimogêneo em opositores em protesto no centro da capital Caracas (Crédito: Yuri Cortez)

Por Debora Ghivelder

Nicolás Maduro, do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), herdeiro político de Hugo Chávez, manda na Venezuela há onze anos. Diz ter conquistado votos suficientes, no domingo (28), para controlar tudo por lá por mais seis anos, no terceiro mandato consecutivo. Mas apenas ele próprio, seus seguidores mais fanáticos, a parcela civil e militar apaniguada com benesses, os protegidos e os líderes de países como China, Rússia, Cuba, Bolívia, Nicarágua e Honduras parecem acreditar nisso. Cinco horas e meia após o término das votações, com a apuração inacabada, foi proclamado presidente por uma das muitas instituições levadas no cabresto por ele no país, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A suposta vitória foi questionada, rejeitada, qualificada de fraude e até ridicularizada pela suprema maioria de governos, especialistas, veículos de comunicação e instituições do mundo. Na noite de quarta-feira (31), o saldo da violenta repressão aos protestos, que tende a subir, era de 16 mortos, 750 detidos em menos de 24 horas e dezenas de desaparecidos.

Integrantes da guarda de honra de Maduro festejam resultado divulgado pelo conselho eleitoral (Crédito:Raul Arboleda)

Na contagem original, exclusiva e surpreendente do CNE, Maduro teria recebido 51,2% dos votos (5,15 milhões) contra 44,2% (4,44 milhões) do oposicionista Edmundo González Urrutia, da Plataforma Unitária Democrática (PUD), apoiado pela líder Maria Corina Machado. González aparecia em todas as pesquisas independentes disparado como favorito, com índices entre 58% a 60%. Maduro não passou dos 30% em nenhuma. Por dúvida das vias, o chavista tratou logo de ser reempossado. A oposição afirma que os 73% dos votos aos quais tem acesso pelas atas eleitorais mostram González com mais do que o dobro dos votos.

Lula teria se irritado com nota do PT que qualificou eleição de “pacífica, democrática e soberana”, dizem fontes

A queixa da oposição foi respaldada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que não reconheceu o resultado. A instituição aponta indícios de distorção na apuração. O Carter Center, organização sem fins lucrativos do ex-presidente americano Jimmy Carter, declarou que as eleições não podem ser consideradas democráticas porque o processo não atendeu aos padrões internacionais de integridade eleitoral e violou inúmeras disposições das leis nacionais. A retenção das atas pelo CNE, sem apresentar resultados, é ponto nevrálgico no impasse. Desde então, a oposição coleta atas recebidas por fiscais de urnas. A plataforma independente venezuelana Alta Vista fez uma contagem dos votos que dá vitória à oposição. González teria recebido 66,23% dos votos e Maduro, 31,27%. Os cálculos foram validados por estatísticos e cientistas políticos brasileiros.
Ao anunciar o resultado, o CNE informou que 80% das urnas tinham sido apuradas, mas que, apesar do resultado parcial, a contagem era irreversível. Dito isso, tirou o site do ar. A participação do eleitorado seria de 59%. O resultado foi contestado por EUA, União Europeia, Reino Unido, Chile, Alemanha, Argentina, entre outros. E reconhecido pelo parceiros de sol e chuva: China, Rússia, Cuba, Bolívia, Nicarágua e Honduras.

O Brasil adotou cautela. O Itamaraty aguarda a apresentação das atas decidir se reconhece ou não o resultado. “É normal que tenha briga em eleições. Como resolve? Apresentem a ata. Se tiver dúvida após a ata, a oposição deve entrar com recurso e esperar o resultado na Justiça. Vai ter uma decisão, que deverá ser acatada”, aconselhou o presidente Lula. O cientista político Paulo Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e da Casa do Saber, também acha necessário conhecer antes as atas. “Maduro controla o sistema eleitoral e poderia interferir. É cedo para dizer se foi manipulado, mas não há inocente neste processo eleitoral.”

Candidato oposicionista González e Corina Machado saúdam apoiadores dois dias após as eleições (Crédito:Juan Barreto)

Conversa de Lula com Biden

O presidente dos EUA, Joe Biden, conversou com Lula sobre o assunto e deu detalhes no X: “Falei com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, para discutir questões bilaterais e regionais, incluindo a situação na Venezuela. Concordamos com a necessidade de divulgação imediata de dados eleitorais completos, transparentes e detalhados dos votos e nos comprometemos a permanecer em estreita coordenação sobre a questão”.

O PT não teve o mesmo cuidado. A executiva nacional do partido reconheceu apressadamente a vitória de Maduro, numa nota em que qualificou a eleição de “jornada pacífica, democrática e soberana”, como se fosse possível, daqui, reunir condições para uma avaliação tão profunda e abrangente. Resultado: o pau comeu solto após o resultado, com militares, policiais, milicianos e seguidores de Maduro reprimindo juntos os protestos dos opositores, o que gerou o triste saldo. Fontes do Planalto afirmam que Lula teria ficado irritado com a nota do PT. Não era para menos.