Sem ikigai, não se chupa nem um picolé
Por Luiz Cesar Pimentel
Há alguns meses, comecei a notar crescente reclamação de solidão. O estranho não era o incômodo, mas as características de quem reclamava – nunca solteiros sem filhos ou (aparentemente) satisfatório núcleo de amigos próximos. Com duas ou três perguntas, somado a uma apuração tosca de Google, reformei o diagnóstico dos meus amigos para solidão existencial, já que essas falhavam em representação prática de isolamento mas denotavam sempre falta de perspectiva e propósito como acompanhamento.
Um segundo exame de características me levaram ao que vem sendo considerada espécie de pandemia de solidão, já que acomete estimados 25% da população global. Preferiria que a estimativa fosse segmentada entre solidão conforme originalmente conhecida e a existencial, que carrega a desconexão não de pessoas mas de desígnio (e companheiros nessa jornada). Mas vá lá, fiquemos com o que é possível resolver.
Quem teve percepção parecida foi Patrick Hill, psicólogo e professor da Washington University, que conduziu estudo com 2.300 pessoas e estabeleceu que o remédio para uma servia a ambas. Ou seja, que o desenvolvimento de um propósito de vida, seja ambição de impacto social ou mesmo a prática de hobby saudável, é forte arma contra o estado. “A solidão é um dos maiores causadores de problemas de saúde, declínio cognitivo e mortalidade precoce. Estudos mostram que ela pode ser tão prejudicial à saúde quanto fumar ou ter uma dieta ruim”, resumiu o acadêmico.
Claro que fiquei preocupado com meus amigos e compatriotas, já que, em 2021, 50% dos brasileiros manifestaram algum tipo de solidão.
Só que o reforço de que se trata de problema de natureza mais existencial do que de isolamento de fato vem dos dados que mostram que o índice cresce de modo inversamente proporcional à idade – entre os de 65 anos ou mais, que viveram em mundo fértil ao desenvolvimento e valorização de virtudes e não de aparências, a taxa é de apenas 17% de autodeclarados solitários. Faça as contas incluindo redes sociais e o tipo de conexão dominante hoje e extraia o resultado.
Pois bem, para que não fique um artigo alarmista sem prescrição, e como não possuo autoridade médica para tanto, recorro ao psiquiatra e neurocientista britânico Iain McGilchrist, de quem considero os estudos. Segundo ele, essa falta de significado da vida tem sempre relação com ausência de sentimento de pertencimento a comunidade ou grupo de valor, de compreensão da natureza das coisas e de relacionamento com o divino ou sagrado, que pode ter a forma tanto religiosa quanto artística.
No campo mais pragmático, como diz minha mulher, a busca do Ikigai (o alinhamento de propósitos, valores, expectativas e possibilidades reais de trabalho) é que complementa o quadro esperançoso por dias melhores aos desamparados.