Cultura

Política para crianças: literatura infantil a serviço da tolerância e da democracia

Obras infantis abordam o tema, mas do ponto de vista humano: sem a polarização que domina a sociedade e com uma visão equilibrada sobre tópicos como desigualdade social, diversidade e meio ambiente

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'Democracia', de Philip Bunting: a tecnologia influencia a informação (Crédito: Divulgação )

Por Felipe Machado

A política permeia a vida cotidiana, tanto em pequenas ações quanto em grandes gestos. É por meio dela que podemos transformar a sociedade, promovendo maior harmonia e respeito às opiniões divergentes. Se é um tema tão importante, então por que não abordá-lo desde cedo, ainda na infância? Pode não parecer tão óbvio, mas a verdade é que isso é feito há séculos. Por meio de fábulas ou histórias em que a moral oferece um desfecho essencial para a trama, autores de diversas gerações passam mensagens que ajudam a moldar o caráter dos seres humanos desde a mais tenra idade. Embora em diferentes níveis, ninguém duvida de que pais e filhos podem apreciar A Revolução dos Bichos, obra-prima de George Orwell publicada em 1945, uma crítica indireta ao autoritarismo soviético pós-Segunda Guerra. É possível ir ainda mais longe: o que dizer das fábulas de Esopo, criadas na Grécia antiga e tão atuais? Criticar a ganância ou valorizar o trabalho não podem ser encarados como temas politizados? Certamente, sim.

Obviamente não se trata de falar sobre política partidária, assunto que divide famílias e que traz consigo os extremismos que tanto mal têm feito às sociedades contemporâneas. Mas usar a literatura infantil para tratar de temas universais, como desigualdade social, meio ambiente e diversidade, vem sendo uma ferramenta importante para fomentar a empatia e ajudar a cultivar uma consciência cidadã, incentivando-as a participar ativamente da sociedade.

Há uma série de lançamentos que trilham esse caminho.

• Democracia, do britânico Philip Bunting, busca esclarecer o funcionamento de uma sociedade democrática, narrando sua origem e abordando questões essenciais — também discute outros tipos de regimes, o impacto da tecnologia e o acesso à informação, enfatizando o papel de cada indivíduo.

• Lá Fora, de André Neves, conta a história de um camaleão que ousa trazer alegria para seu reino incolor.

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“Dizemos que o voto é a varinha mágica que transforma o mundo do jeito que a gente quer. É um conceito importante aos alunos, mas também para os pais.”
Pedro Markun, autor de Eleição dos Bichos

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Oficinas na escola

As relações de poder estão presentes em todos os ambientes. É possível discutir esses assuntos com as crianças para que elas compreendam melhor a vida em coletividade. “É importante falar sobre poder, democracia, liderança. Esses temas estão sob um grande guarda-chuva que abrange a noção de política, negociação, troca com o outro, e o entendimento dos espaços comuns e individuais”, explica a escritora Paula Desgualdo, co-autora de Quem Manda Aqui?. “Esperamos adultos conscientes, críticos e politizados, mas muitas vezes esquecemos de incluir as crianças nesse diálogo sobre como escolher líderes.”


Lá Fora, de André Neves: camaleão ousa trazer alegria para seu reino incolor (Crédito:Divulgação )

Para o autor Pedro Markun, autor de Eleição dos Bichos e Vote Nelas, a vontade de falar sobre esse assunto teve origem pessoal. Com atuação na vida política, ele passou a questionar qual seria a melhor forma de explicar seu trabalho para a filha de 12 anos. Criou uma série de oficinas e as levou para escolas em todo o País, testando formas de abordagem.

Ficou surpreso: os alunos já falavam sobre o tema, geralmente repetindo o que ouviam das conversas dos adultos — e reproduzindo a polarização com que conviviam em casa. “As crianças estão na sala e os adultos estão conversando, com a polarização presente. Ouvem dizer que um é comunista, o outro é fascista. Acabam criando a mesma visão distorcida. Em vez de ignorar, por que não tentar explicar esses assuntos?”, questionou Markun.

Nos encontros, promovia simulações em que os alunos se organizavam e votavam para escolher o bicho que dominaria a floresta. “Dividimos a classe em grupos. Os macacos e os leões, por exemplo, eram adversários no início, mas perceberam que se fizessem uma aliança venceriam mais facilmente a eleição”, conta Markun. “Dizemos que o voto é a varinha mágica que transforma o mundo do jeito que a gente quer. É um conceito importante aos alunos, mas também para os pais.”

A ideia teve repercussão internacional: traduzido para mais de vinte países, Eleição dos Bichos é o título mais bem-sucedido da editora Companhia das Letrinhas no exterior. A importância de educar as crianças não tem fronteiras.