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Entenda o obstáculo PRF no plano Lewandowski

Com uma PEC em análise, o ministro da Justiça e Segurança Pública dá a largada para um inédito plano nacional de segurança que subordina polícias estaduais às forças federais. Ele quer a PRF como corporação ofensiva e buscará um pacto nacional com a oposição

Crédito: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

A PRF vai combater o crime em ferrovias e hidrovias, que também são usadas pelas facções: o desafio é tornar operacional uma polícia experiente em rodovias federais (Crédito: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil)

Por Vasconcelo Quadros

O plano nacional de segurança proposto pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, dá ao governo federal a prerrogativa inédita de comandar estados e municípios no combate ao crime organizado, ajustando o sistema federativo, pilar da República, a uma hierarquia de poderes e responsabilidades jamais experimentada. A mudança, introduzida numa PEC em análise no Palácio do Planalto, altera cinco artigos da Constituição de 1988, reorganiza e integra forças de segurança e inteligência, dando à União o poder central para executar, com a subordinação dos demais órgãos policiais do País, as diretrizes macro para atacar os gargalos da violência: as milícias que ditam regras nas comunidades e mostraram a cara no Caso Marielle e estão infiltradas no aparato estatal, as facções como o PCC, que se fortaleceram pela omissão dos governos e os criminosos ambientais que, em vários casos com apoio político, dominam a grilagem de terras públicas, os garimpos e extração ilegal de madeira em terras federais.

Décadas de omissão geraram números de mortes violentas que tornam o Brasil um dos países mais violentos do mundo, com mais de 46 mil assassinatos no ano passado, colocando a insegurança no topo da preocupação do brasileiro.

A PRF não poderá fazer investigações pois será uma polícia ostensiva, à semelhança das PMs estaduais

O primeiro efeito da PEC foi acabar com o jogo de empurra ao mostrar que o governo quer um papel central negociado, mas a pedra no caminho do ministro está nos detalhes: ele quer fortalecer a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que passaria a assumir uma função de policiamento ostensivo, hoje atribuição das PMs, e um desafio que preocupa especialistas e adversários políticos do governo pela falta de cultura da corporação nesse tipo de ação e os riscos de enveredar por atribuições investigativas que são de polícia judiciária.

O teor integral da PEC ainda é um segredo, mas o ministro afirma que a mudança constitucional apenas incorporaria à PRF, hoje responsável pelo policiamento de rodovias, o controle sobre ferrovias e hidrovias no combate ao crime.

“A PRF não poderá fazer investigações porque ela será uma polícia ostensiva, à semelhança das PMs estaduais”, disse o ministro à ISTOÉ. “Se a PEC for aprovada, ela possibilitará um maior entrosamento entre as policias federais e estaduais e as guardas municipais, sobretudo quanto à troca de dados de inteligência e à realização de operações conjuntas contra o crime organizado”.

Em 2022, uma desastrada operação da PRF em Sergipe terminou na morte de um homem por asfixia, depois de ele ter sido trancado no chiqueirinho de uma viatura, sobre o qual um agente jogou uma bomba de gás lacrimogênio.

O ministro quer organizar uma base de dados única, medida singela, mas que sem ela, segundo ele, não se faz o enfrentamento. Os recursos, segundo ele, sairão dos fundos de segurança e penitenciário que, juntos, têm cerca de R$ 2,5 bilhões em caixa e só no passado representaram a arrecadação de R$ 1,4 bilhão.

Lewandowski inicia a semana buscando convencer o próprio governo para só depois abrir diálogo com governadores do Sul e Sudeste (Crédito:Mateus Bonomi)

Pesquisador ligado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Rafael Alcadipani, diz que a PRF é uma polícia competente, com expertise no combate ao tráfico de drogas e roubo de carga nas estradas, mas alerta que “para virar uma polícia ostensiva nacional tem um longo caminho pela frente”.

O plano Lewandowski, afirma, tem grande relevância desde que tire do papel o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), unifique e a articule as forças políticas e de segurança num esforço conjunto longe das intrigas ou divergências políticas. “Acho que ainda está devagar. Não sabemos direito os detalhes do plano, o que demonstra falta de articulação e de diálogo republicano. Mas é importante que a gente veja a preocupação do governo federal em articular uma política de segurança pública para o Brasil. As divergências jamais podem ser maiores do que a necessidade do País.”

Os desafios de Lewandowski começam dentro do próprio governo, onde ministros que foram governadores, como o chefe da Casa Civil, Rui Costa, viu a PEC com ceticismo, e se estendem a adversários políticos, como a bancada de segurança pública na Câmara dos Deputados, dominada por seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro que, embora façam muito barulho tencionando a política, raramente se envolvem em propostas consistentes.

O ministro também terá de convencer governadores hostis ao governo Lula, como os do Sul e Sudeste, que farão um debate com ele para ouvir mais detalhes do plano, o que significa que há ainda um longo caminho até a proposta ser debatida no Congresso.

Além da incompatibilidade política, o grande argumento de governadores como Ronaldo Caiado (GO), Romeu Zema (GM), Jorginho Melo (SC), Ratinho Júnior (PR), Cláudio de Castro (RJ) e, especialmente, Tarcísio de Freitas (SP) é sobre um eventual avanço do governo federal sobre as PMs e operações até aqui marcadas pela opção de confrontos com o crime em comunidades pobres.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, também entrou no jogo, primeiro duvidando da eficácia da PEC e, depois, recorrendo, mais uma vez, ao endurecimento da Lei de Execução Penal contra criminosos, caminho recorrente da direita que nunca funcionou. Certo de que o tema segurança dominará a campanha eleitoral este ano e em 2026, Lira quer também apresentar uma PEC, mudando a Constituição, para aumentar o tempo de cadeia de membros de facções, controle de fronteiras, tráfico de armas e milícias, o que já está no plano do governo.