Coluna

O negro na revolução

Crédito: Divulgação

José Vicente: "Mas, quase um século depois, a vida do negro paulista continua uma batalha diária contra o esquecimento, a indiferença e o abandono histórico" (Crédito: Divulgação)

Por José Vicente

Entre os grandes mártires da revolução de 1932, que descansam no mausoléu do Obelisco do Parque do Ibirapuera, merece atenção e destaque Maria Jose Bezerra. Filha de escravos, nascida na cidade de Limeira/SP, Maria Soldado, como ficou conhecida, foi uma mulher negra cujos feitos no front de batalha a consagraram como símbolo da revolução, recebendo, por isso, a glória de ser a única mulher a repousar naquele panteão dos heróis.

Mas os feitos e a glória por ela alcançados são elementos de outro acontecimento épico grandioso traduzido na epopeia da Legião Negra, onde Maria Soldado e outras vinte centenas de mulheres, homens e jovens negros ensarilharam armas, e, juntamente, com os demais paulistas lutaram bravamente, e até a morte, para defender os ideais da revolução.

Os negros, que escravizados pelos brancos no império construíram a riqueza paulista nos cafezais sob chibatadas e toda sorte de iniquidades, agora, na república, de forma leal e solidária juntavam-se a eles para lutar e defender os fundamentos da liberdade, igualdade, democracia, legalidade e da justiça, que estava sob risco de usurpação e destruição pelo canhões da ditadura getulista. A luta era de todos e ninguém soltou a mão de ninguém.

A batalha acabou, a revolução foi derrotada e o tempo passou. Mas, quase um século depois, a vida do negro paulista continua uma batalha diária contra o esquecimento, a indiferença e o abandono histórico. Nenhuma linha em grande jornal, nenhum monumento vistoso, nem sequer um nome de rua. No estado mais negro da América Latina, os negros são invisíveis e a realizações da força do seu trabalho que ajudou tornar São Paulo a locomotiva do País, a contribuição da sua criação, a potência da sua cultura e o valor da sua luta junto com o povo paulista contra a injustiça e a opressão não têm sido digno de registro, reconhecimento e de celebração.

Mesmo as pequenas conquistas frutos de lutas politicas e sociais intestinas não escapam do abandono e do apagamento. Quem sabe quantos países compõem a Àfrica, quem sabe quem foram os negros Teodoro Sampaio, André Rebouças, Luís Gama, Dandara dos Palmares, Luiza Mahin e mesmo Zumbi dos Palmares?

Em 2024 quando comemoramos 92 anos da revolução constitucionalista , o governo de São Paulo que recompôs parte dessa injustiça histórica com a criação do Feriado Estadual do Dia da Consciência Negra, na data de 20 de Novembro, em celebração da memória do líder negro e herói nacional Zumbi dos Palmares, pode e deve dar um passo adiante, criando um Museu da História do Negro, onde as Marias e José Soldados de todos os tempos recebam reconhecimento e tratamento digno como é de se esperar de um estado pujante e sensível, e de um povo justo e com profundo respeito pelos seus heróis.