Comportamento

Monogamia é contestada nas redes, na literatura e… no matrimônio

Um dos temas mais pesquisados no Google, o relacionamento aberto ganhou visibilidade ao final da pandemia, provando que muitos casais desejam explorar novas formas de amor

Crédito: André Lessa

Larissa e Leandro, casados e não monogâmicos: amor sem o sentimento de posse (Crédito: André Lessa)

Por Maria Ligia Pagenotto

A busca por conexões afetivas transparentes, sem idealizações e expectativas excessivas, tem levado muita gente a colocar em xeque a monogamia. O movimento não é novo, uma vez que o casamento tradicional já foi alvo de debate em diversas ocasiões na história. Mas, por conta das redes sociais e o período pós-pandemia, que mexeu com muitas emoções, ele se tornou mais visível.

“É razoável que se pense que a não monogamia está na moda porque não se percebia isso tão claramente antes”, diz o psicanalista Raphael Sponton. Os aplicativos de relacionamento, explica, permitem que o usuário escolha se quer alguém para uma relação monogâmica ou não. “Isso não existia até pouco tempo”.

Ele aponta ainda a existência de influencers nas redes. “A norma é a monogamia, por isso qualquer coisa que fuja à norma gera discussão”, diz Sponton.

À frente do projeto Amores Plurais, no Instagram, a psicóloga Marcela Aroeira garante que hoje é muito mais segura em suas relações do que quando era monogâmica. “Tinha muito ciúmes. E, não sem culpa, traí algumas vezes meus parceiros”. Até que um dia, casada, comentou com o marido sobre o desejo por outra pessoa. “Nossa conversa foi muito sincera e optamos por abrir o casamento de forma consensual”.

A partir daí, ela se aprofundou profissionalmente no assunto. “A monogamia está relacionada às estruturas de poder e ao controle do corpo feminino. Quero viver sem hierarquia nas minhas relações, poder contar com uma rede de apoio sem centrar tudo em uma única pessoa”.

A preocupação em ser livre sem ser inconsequente foi o que levou o músico Leandro Ferreira a viver uma relação não monogâmica com a escritora Larissa Siriani. Os dois são casados oficialmente, mas têm liberdade para manter relações com outras pessoas também se desejarem. “A não monogamia me ensinou a lidar com o sentimento de posse”, diz Larissa. “Não preciso do Leandro para nada, apenas gosto de estar com ele”.

O amor romântico, dizem os adeptos da não monogamia, força as pessoas, em especial as mulheres, a pensarem que a vida só tem sentido se encontrarem um amor verdadeiro para casar e ter filhos. “Segui esse roteiro porque me era exigido, mas não me senti realizada”, diz Marcela. “Não escolhemos ser monogâmicos, isso faz parte do nosso contexto cultural”, completa Sponton.

E como a arte e a vida se retroalimentam, o tema já aparece em filmes, séries, livros. A Editora Record deu o primeiro passo entre as grandes do mercado: ampliou seu selo Verus para romances que fujam ao amor romântico padrão.

Em maio foi lançado Mente Aberta, da inglesa Chloe Seager, autora não monogâmica. A obra explora a descolonização dos afetos e a construção de relações baseadas em confiança. “Queremos dar referências a quem está vivendo essa experiência, para que ela não seja solitária”, diz Rafaella Machado, editora executiva da Verus. Ela rebate algumas críticas que recebe sobre a morte do amor e do romance: “As pessoas estão desenhando novos modelos justamente para evitar o seu fim”, conclui.