A um passo da guerra total: conflito no Oriente Médio tem escalada assustadora
Israel mata líder do Hamas durante visita deste ao Irã, para cerimônia de posse de novo presidente; ataque pode ter acendido de vez o pavio da bomba que ameaça todo o Oriente Médio
Por Luiz Cesar Pimentel
A morte de Ismail Haniyeh, líder da organização política e militar palestina Hamas, em ataque israelense, soou no noticiário como mais uma baixa, mesmo que importante, no conflito iniciado em outubro de 2023, quando o grupo propiciou um ataque terrorista aos israelenses que matou 1.200 pessoas. Os israelenses prometeram destruir o Hamas, e até agora a operação militar na Faixa de Gaza matou quase 40 mil pessoas e deixou dois milhões de desabrigados, segundo a autoridade de saúde palestina. Mas as circunstâncias da morte da liderança podem fazer com que esta seja lembrada no futuro como o passo decisivo para eclosão de uma guerra total no Oriente Médio.
A começar pelo local do ataque.
• Haniyeh, que há anos vivia em exílio no Catar, estava em Teerã, capital iraniana, para participar da cerimônia de posse do novo presidente local, Masoud Pezeshkian.
• Três horas antes de ser morto, na madrugada de quarta-feira (31), em bombardeio a uma residência para veteranos de guerra, ele pode ser visto em fotos ao lado do vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin.
• Segundo o The New York Times, a bomba esteve escondida em base militar iraniana por dois meses, o que leva a entender a premeditação.
Irã e Israel são inimigos mortais e a região esteve próxima de escalada de conflito sem precedentes quando a embaixada iraniana em Damasco, capital da Síria, foi bombardeada por mísseis israelenses e resultou na morte de lideranças e membros da guarda revolucionária.
À ocasião, o Irã lançou mísseis e drones sobre Israel em represália, mas a escalada foi contida com participação da diplomacia mundial.
No final da semana passada, o ataque à embaixada ressoou na região quando o político, paramilitar e transnacional Hezbollah, baseado no Líbano e apoiado pelo Irã, promoveu ataque com foguetes a Israel nas Colinas de Golã, área que pertencia à Síria e que foi ocupada por Israel em 1967. No contra-ataque, foi morto um dos principais comandantes militares do Hezbollah, Fuad Shukr.
Todos os fatores somados levaram à fervura a panela de pressão que já virou rotina na região e especialistas apontam o temor de finalmente termos atingido o ponto de início de uma guerra total. “Acreditava-se que Irã e o Hezbollah não estavam interessados numa escalada”, disse à BBC Nader Hashemi, professor de Oriente Médio em Georgetown.
“É consenso hoje dentro da geopolítica e dentro da avaliação de historiadores e sociólogos de que não existe possibilidade de se evitar um conflito a médio prazo no Oriente Médio. E, em grande parte, um conflito de larga escala mundial. A gente não sabe qual vai ser o formato, com certeza não igual à Primeira e Segunda guerras mundiais”, diz o historiador Saulo Goulart, professor da Casa do Saber. “Já vemos blocos se formando, a corrida armamentista acontecendo.“
“Foi aberta a porta do inferno. Israel acabou com todas as esperanças de fim das hostilidades.”
Sabri Saidam, vice-secretário do partido governista palestino, o Fatah
Inimizade atávica
O Ministério das Relações Exteriores do Irã respondeu prontamente à incursão em seu território e soltou nota onde se lê que o “martírio” do líder do Hamas “fortalecerá o vínculo profundo e inquebrável entre Teerã, a Palestina e a resistência”. A Guarda Revolucionária iraniana acrescentou calor ao pronunciar que sua resposta ao ataque seria “dura e dolorosa”.
A investida israelense tem significado especial uma vez que o país considera o Irã o elo do que chamam de “arco da resistência” no Oriente Médio, formado:
• pelo Hezbollah, no Líbano,
• o Hamas, na Faixa de Gaza,
• e os Houthis, no Iêmen.
Já haviam respondido aos iemenitas há duas semanas ao bombardearem posições houthis na cidade de Hodeidah, no dia seguinte a um drone rebelde ter explodido sobre Tel Aviv, com a morte de um civil israelense. A morte dos líderes de Hezbollah e Hamas em território iraniano completa o recado à “resistência”.
A repercussão do atentado que causou a morte de Haniyeh não foi nada boa. Um comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Turquia aponta o dedo para Israel: “Foi revelado mais uma vez que o governo do [primeiro-ministro israelense Benjamin] Netanyahu não tem intenção de alcançar a paz”.
Chineses e russos se uniram ao condenar os israelenses. “(A China) se opõe firmemente e condena o assassinato. Gaza deve alcançar um cessar-fogo abrangente e permanente o mais rápido possível para evitar uma maior escalada de conflitos e confrontos”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Lin Jian.
O vice-ministro das Relações Exteriores russa, Mikhail Bogdanov, chamou o ataque a Haniyeh de “um assassinato político absolutamente inaceitável”.
Já os norte-americanos, por meio do secretário de Defesa, Lloyd Austin, disseram que se Israel for atacado, os EUA ajudariam na defesa.