Comportamento

A recuperação do Museu Nacional, seis anos depois do incêndio que o destruiu

Quase seis anos após o incêndio que fez arder em chamas o Palácio da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, e reduziu a cinzas 85% do acervo de 20 milhões de itens, a direção luta por verbas para reabrir ao menos parte da instituição em 2026

Crédito: Custódio Coimbra

Restauração da fachada do palácio, no bairro carioca de São Cristóvão, foi iniciada em fevereiro (Crédito: Custódio Coimbra)

Por Debora Ghivelder

O paleontólogo Alexander Kellner tinha um desafio quando assumiu a direção do Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no primeiro semestre de 2018. A instituição, fundada em 1818 por Dom João VI, primeiro museu do Brasil, preparava-se para marcar seus dois séculos de existência. Ao longo de quase 200 anos, construiu um dos maiores acervos de História Natural e Antropologia da América Latina. Seis meses depois, em 2 de setembro do mesmo ano, um domingo, um incêndio de proporções gigantescas lambeu a sede histórica, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, cenário imemorial da história do Brasil, outrora residência da família real da sua transferência para o Brasil até a proclamação da República. O fogo reduziu a cinzas também 85% do acervo de 20 milhões de itens, amealhados ao longo de 200 anos de atividades.

“Sou um cara de sorte”, brinca Kellner, que, desde aquele fatídico 2 de setembro, abraçou o verdadeiro desafio que lhe foi imposto. Ou melhor, dois:
 restaurar o prédio histórico, de um lado,
e recuperar e complementar o acervo do museu e fazê-lo novamente vivo e aberto à visitação.

Seis anos se passaram e as obras prosseguem, às vezes a passos lentos. As coisas começaram a mudar em março de 2023, com visitas ao museu do ministro da Educação, Camilo Santana, e do presidente Lula. O projeto de recuperação ganhou readequação e um prazo de reabertura para 2026, com os blocos dois e três recuperados. O bloco quatro só estará pronto em 2028.

Fogo destruiu quase tudo de um dos maiores acervos de História Natural e Antropologia da América Latina (Crédito:Uanderson Fernandes)

A vida de Kellner pode ter ficado um pouco mais fácil com a simpatia do governo, mas só um pouco.
Ele precisa de R$ 107 milhões para abrir as portas do museu (na fatia que equivale a 65% do total) em dois anos.
Até o momento, a instituição reuniu cerca de R$ 281 milhões.
O Projeto Museu Nacional Vive reúne instituições brasileiras e internacionais empenhadas na reconstrução do Museu Nacional/UFRJ em esforço resultante da cooperação técnica firmada entre a universidade, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Instituto Cultural Vale, e conta com parceiros do governo e da iniciativa privada.

“Conseguimos captar pouco mais de R$ 20 milhões. Fomos autorizados a levantar R$ 90 milhões via Lei Rouanet. Tínhamos a expectativa de ter um grande patrocinador, que injetaria recursos expressivos, mas ele não veio. Isso nos deixa preocupados”, conta Kellner. E completa, taxativo: “Sem o dinheiro não vai dar para entregar”.

Em fevereiro, foi iniciada uma nova etapa da restauração da sede, que compreende as fachadas e coberturas dos blocos dois e três do palácio e os setores laterais da edificação. No bloco histórico, segue a construção de lajes internas e instalação de uma claraboia sobre o pátio da escadaria principal. O quatro, que vai abrigar a parte de acervos científicos, não entra nesta conta: nem de tempo, nem de dinheiro. A verba para essa empreitada precisa ser recalculada, mas não chegará a outros R$ 107 milhões, calcula Kellner. O prédio histórico vai servir apenas de área de exposições. A parte de pesquisa será abrigada em um anexo construído no campus da Quinta da Boa Vista.

Quando voltar a funcionar, o museu vai trabalhar com quatro linhas expositivas:
Universo e Vida, com exemplares minerais, fósseis, dinossauros;
Diversidade Cultural, explorando a riqueza do país;
Ambientes do Brasil, ofertando uma viagem pelas diferentes paisagens brasileiras, explorando flora, fauna e pessoas que vivem nestes diferentes locais;
e História, Ciência e Sociedade, com aspectos da evolução da ciência no País com espaço dedicado às mulheres cientistas.

(Hermes de Paula)

Investir é preciso

É consenso de que será necessário investir no acervo. “Precisamos de mineriais, materiais etnográficos. Temos recebido doações de particulares e de instituições, inclusive nacionais, mas ainda é pouco. O museu dispõe de 3,5 milhões de exemplares para pesquisa científica, mas isso não poder ser aproveitado nas exposições”, explica Kellner.

“Ele é também um centro de pesquisa científica, parte de uma grande universidade como a UFRJ, e isso não está acontecendo. O esforço para recuperar o Museu Nacional precisa ser abraçado pela sociedade”.

Nova etapa de trabalhos envolve coberturas dos blocos dois e três, além de setores laterais do palácio (Crédito:Divulgação )

O diretor fala que sempre soube o que precisava ser feito para não estar nessa situação. A falta de manutenção não era fato desconhecido. Dias antes de arder em chamas, o museu recebeu especialistas que diagnosticaram reparos a fazer para evitar incêndios. Não deu tempo. “O mais triste é ver como o Brasil deixou seu primeiro museu em tamanho abandono”.

Kellner não perde as esperanças de que a sociedade entenda a proporção da importância e se mobilize. Entre o muito que se perdeu está, por exemplo, um material egípcio com cerca de uma dezena de múmias e material etnográfico com registros, provavelmente únicos, da população indígena.

Mas há algumas alegrias. O fóssil emblemático do Santanaraptor, dinossauro cuja descoberta foi considerada uma das mais importantes da paleontologia brasileira, formalmente descrito em 1999 pelo próprio Kellner, foi recuperado, assim como Luzia, esqueleto humano mais antigo no Brasil, datado de 11,5 mil anos. Luzia, aliás, aguarda verba para ser restaurada. Candidatos a patrocinadores serão naturalmente bem recebidos.